Aconteceu em 2014. O tenor mexicano Javier Camarena interpretava o papel de Ramiro, em La Cenerentola, de Rossini, na Metropolitan Opera House de Nova York. Cantou a ária. E os aplausos não pararam. Até o ponto em que recebeu o aceno de cabeça do maestro, para que a repetisse. Oferecer um bis é um dos momentos mais celebrados no mundo da ópera – e por isso mesmo, incrivelmente raro. Em 70 anos, apenas Luciano Pavarotti e Juan Diego Florez haviam realizado o feito em Nova York. E, não por acaso, a partir daquele momento, o mexicano se tornou um dos mais procurados cantores da atualidade.
Camarena faz na terça, 8, e quarta, 9, seus recitais de estreia no Brasil, ao lado da soprano sul-africana Pretty Yende e do pianista mexicano Angel Rodriguez, encerrando a temporada do Mozarteum Brasileiro na Sala São Paulo. Yende é outro nome a despontar no cenário da música lírica internacional: seu primeiro disco, A Journey, com uma seleção de árias de Verdi, Rossini, Bellini, Gounod e Delibes, acaba de vencer o prêmio de revelação no Echo Klassik, na Alemanha.
“É curioso como, mesmo dentro do universo da ópera, criam-se alguns preconceitos. Já ouvi muito que ópera de verdade é Verdi, Puccini, e que compositores como Rossini ou Donizetti valem menos”, diz Camarena. Ele está certo – mas sua opinião dificilmente soa surpreendente. É, afinal, com esses autores que ele tem construído sua trajetória. São representantes do chamado bel canto, estilo do final do século 18, começo do século 19, em que a voz tem primazia. “Mas o nome pode levar a um engano. Não se trata apenas de ter uma bela voz. É preciso saber usá-la e, para tanto, ter o cuidado de entender o que o modo como texto e música se combinam tem a dizer do ponto de vista dramático”, ele explica. “Não é uma tarefa fácil. E, além disso, ouça Verdi e Puccini, eles aprenderam muito com esses autores.”
Camarena nasceu em Xalapa, cidade de quatrocentos mil habitantes na região sudeste do México. Estudou engenharia mas, no segundo ano de faculdade, para desespero da família, ele lembra, resolveu seguir carreira na música. O ponto de virada, no entanto, veio em 2001, durante um concurso no Peru. Não ganhou nenhum prêmio, nem mesmo passou às finais. “Mas ali ouvi tantos grandes cantores, conheci professores, e cantei uma ária na frente deles. Foi o suficiente para entender que precisava cantar, mas também a humildade que seria necessária para um dia estar pronto.”
O repertório das apresentações em São Paulo tem Donizetti, Rossini, Bellini, Verdi. É um retrato, de certa forma, da transição pela qual Camarena – e de certa forma também Yende – está passando, ou seja, de papéis mais leves para papéis mais pesados. “Há uma intensidade em Verdi ou Puccini que você deve tratar com cuidado. Sem conhecer a própria voz e os seus limites, essa pode ser uma jornada fatal. É preciso saber engatinhar antes de caminhar, caminhar antes de correr.”
Um recital com árias de ópera, diz ele, é um aperitivo, um convite ao público para que conheça mais sobre o gênero. “Ver um jogo de futebol pela televisão é interessante, mas a experiência de se estar no estádio é algo totalmente distinto. Com a ópera, acontece o mesmo. Além disso, não se pode ter com a ópera a relação que uma criança tem com um alimento, dizendo que não gosta antes mesmo de experimentar. Sempre digo quando me perguntam sobre isso: simplesmente vá ao teatro. Tente.”
MOZARTEUM BRASILEIRO
Sala São Paulo
Praça Júlio Prestes, 16. Tel.: 3367-9500. 3ª (8) e 4ª (9), 21h.
R$ 210 / R$ 600
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.