Nestas circunstâncias, ele enfrenta aquilo que os jovens brasileiros, leitores de Jean Paul Sartre, nos anos de 1960 e 1970, no Brasil, chamavam de “situação-limite”. A expressão provinha do vocabulário da corrente filosófica existencialista e era empregada com a precisão permitida pelo grau de conhecimento das obras do pensador francês de que dispunham.
Uma situação-limite vivenciada por parte da juventude naquele momento: a tortura física a que era submetido, nas prisões políticas, quem se insurgisse contra a ditadura militar imposta ao país. Naquela situação era inevitável que viessem à tona as características mais definidoras do caráter de cada opositor do regime militar.
Características quase sempre ligadas diretamente à capacidade de suportar sofrimento físico sem fornecer informações que os torturadores queriam arrancar à força. Mas estas características se exprimiam também na possibilidade individual de uso de inteligência durante as investidas dos torturadores, no nível de convicção das idéias que moviam os prisioneiros, na preocupação em proteger seus companheiros.
Hoje, aquele modo de pensar, sobre a inevitabilidade do aparecimento nas situações-limites das camadas mais ocultas do ego de cada um, está registrado de modo artístico e comovente no precioso material sobre grupo de treze bailarinos/atores, denominado Dzi Croquettes, recolhido por dois jovens cineastas brasileiros.
O Dzi Croquettes atuou nos anos de 1970, no Rio de Janeiro,
Estes artistas conseguiram transformar um comportamento que os unia, a homossexualidade, numa densa motivação para o extravasamento de criatividade e anseio de liberdade. Deste modo, num instante triste da vida brasileira, o Dzi Croquettes criou espetáculos de intensa beleza e alegria. O vigor de que era dotado comoveu legiões de jovens admiradores/seguidores em nosso país. E impressionou, nos teatros da França, alguns dos artistas mais importantes do mundo, daquele período.
Os integrantes do Dzi Croquettes pagaram um preço muito alto pela originalidade e pungência daquilo que criaram na situação-limite com que se confrontaram. Apenas cinco dos treze artistas, sobreviveram. Os demais foram assassinados ou dizimados pela AIDS.
Felizmente, a força expressiva do grupo pôde ser pelo menos parcialmente reconstituída através do empenho de Tatiana Issa e Raphael Alvarez, os diretores do documentário “Dzi Croquettes”. Suas cópias estão disponíveis em locadoras de vídeos. Nelas, há imagens e depoimentos que merecem a atenção não apenas de profissionais das Artes, mas também de políticos, sociólogos, antropólogos, filósofos, psicólogos e jornalistas.
Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP