Mundo das Palavras

É hora de amarmos Sinigaglia e Francisco

A disseminação de informações sobre os direitos da cidadania pela rede mundial de computadores, segundo os grandes conglomerados de mídias norte-americanos e europeus, estaria na origem dos movimentos reivindicatórios que eclodiram em sociedades milenares do Oriente Médio e Norte da África, a partir de 2010, num supostamente fenômeno de modernização de países desta parte do planeta. O desejo de apresentá-lo de modo favorável – como insurgência contra governos opressivos, absurdamente arcaicos – se manifestou até na expressão com a qual foi rotulado: “Primavera árabe”.   
 
Em resumo, a internet teria atuado da mesma maneira que o professor Sinigaglia, o personagem de Marcello Mastroianni, no filme “Os Companheiros”, de 1963, dirigido por Mario Monicelli. Que, como um apóstolo da Justiça Social, chega, desempregado, a Turim, num período de exploração desmedida dos trabalhadores – os anos de passagem do século XIX para o XX. Mistura-se com os operários e passa a ajudá-los na organização de sindicatos, o único caminho de que eles dispunham para se defenderem dentro de uma estrutura socioeconômica esmagadora. Aos poucos, Sinigaglia se transfigura num ativista completamente entregue àquela missão. E, como um nômade, viaja permanentemente, de cidade a cidade, estendendo o efeito de sua atuação pela Itália.
 
A grandeza e a generosidade do personagem do filme acalentaram o espírito de muitos brasileiros, na perversa conjuntura política imposta a eles pela ditadura militar de 1964. Sobretudo acalentaram aqueles que tinham esperança numa libertação coletiva, no Brasil, dispostos até a pagar por ela com o sacrifício de suas vidas.  Eles acreditavam, quando ocorresse, ela seria um espetáculo de confraternização humana.
 
Mas, a redemocratização do País demorou, e, alcançada, mostrou-se contraditória, ambígua, cheia de imperfeições. Os projetos existenciais dos brasileiros passaram a ser afetados por outro tipo de dramaticidade – a criada pela incerteza de acesso ao mercado de trabalho. Nada, porém, ainda comparável à intensidade da angústia que, nas últimas semanas, tem se alastrado em consequência da perda – até há pouco inimaginável – de direitos sociais consagrados. Para piorar o nosso estado de ânimo, a tal “Primavera árabe”, com a qual poderíamos contar para sustentar nossa confiança no futuro, já é considerada pelos analistas de política internacional como um tremendo fracasso histórico.  
 
Assim, para agradecermos a atenção dispensada pelos amigos a nossos textos, neste atormentado ano de 2016, resta nos reportarmos diretamente àquela antiga fonte original:   o professor Sinigaglia, eternizado por num filme como eterno portador-transmissor de esperança. Para avaliarmos o valor deste sentimento, basta lembrarmos que Vinicius de Moraes dotou-o de sacralidade quando muniu dele um santo criado para crianças. Não é o seu São Francisco quem – para fazê-las enxergar beleza e alegria no ato de viver –  caminha “levando ao colo Jesus Cristinho, fazendo festa no menininho, contando histórias pros passarinhos”?
 
No deprimente atoleiro moral em que nossos políticos afogam nossa vontade e nosso direito de sermos felizes, precisamos enxergar – pelo menos como possibilidades – a solidariedade social apaixonada do personagem de Monicelli e a alegre vitalidade do santo do poeta.  
 

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