A cúpula do Comitê Olímpico Internacional (COI) negociou com o dirigente indiciado por venda de ingressos no Rio-2016, Pat Hickey, um esquema para permitir que seus interesses e pedidos fossem atendidos para a distribuição de entradas para a Olimpíada. Isso é o que revelam e-mails encontrados pela Polícia Civil do Rio de Janeiro entre o dirigente e integrantes do COI.
Em agosto, Pat Hickey, presidente do Comitê Olímpico Irlandês, foi preso no Rio acusado de fornecer de forma ilegal ingressos para o mercado negro. Na semana passada, ele e mais nove pessoas, entre eles executivos da empresa THG, foram indiciados. A polícia do Rio indicou que a companhia, mesmo sem ter direitos de vender entradas, as comercializava a preços inflacionados. Todos negam as irregularidades.
Naquele momento, o COI insistiu que o assunto era um problema do Comitê Olímpico Irlandês, deixando claro que iria tentar se distanciar de qualquer defesa de Pat Hickey. Tanto o COI quanto o Rio-2016 também insistiam que a empresa suspeita, a THG, não tinha qualquer contrato com os Jogos. A entidade internacional também apontava que, se houvesse uma investigação, ela caberia aos colegas irlandeses.
Mas e-mails revelados pela polícia na semana passada apontaram que Pat Hickey havia solicitado diretamente ao presidente do COI, o alemão Thomas Bach, um número maior de ingressos. As autoridades esperavam ouvir Bach quando o alemão viajasse ao Brasil para os Jogos Paralímpicos. Mas, pela primeira vez desde 1984, um presidente do COI não estará no evento. A entidade não deu explicações sobre a sua ausência.
Agora, outros e-mails apontam que a cúpula do COI estava por meses negociando o assunto com Pat Hickey. Ele havia solicitado no dia 10 de abril que o COI abrisse uma exceção e que permitisse que o Comitê Irlandês fosse designado como parceiro na venda de ingressos. Os irlandeses, por sua vez, escolheriam a empresa THG como o “sub-agente”. Hoje, essa é a empresa acusada de fazer parte do esquema de vendas ilegais.
ACORDO – Em um e-mail que também foi enviado ao CEO dos Jogos, o brasileiro Sidney Levy, Pat Hickey indicava o plano e chegava até mesmo a envolver Thomas Bach. “Tive também uma conversa ontem com o presidente Bach e expliquei a estratégia e ele confirmou que a aceitaria”, indicou o irlandês. Na mesma mensagem, Hickey explica que esteve em contato “pelas últimas semanas” com Pere Miró, o vice-diretor-geral do COI.
Menos de quatro horas depois, o diretor executivo do COI, Christoph Dubi, confirmava que a negociação já estava ocorrendo. “Entendo que discussões já estão ocorrendo com Howard (Stupp, diretor jurídico do COI) para preparar um rascunho”, indicou Dubi.
Em um e-mail de 16 de abril de 2015, o diretor jurídico do COI, Howard Stupp, apresentou o que seria o rascunho do acordo e sugeriu ao próprio Pat Hickey que um e-mail fosse escrito pelo diretor executivo da entidade, Christoph Dubi. A mensagem daria uma solução para o pedido do irlandês e aceitando a proposta do dirigente hoje indiciado. “Surigo que o COI escreva a seguinte carta a Pat”, explicou Stupp. “Ela poderia estar em nome de CHD”, indicou. Essas seriam as iniciais para Christoph Dubi.
“O COI nota que a situação com relação aos Jogos do Rio é fora do ordinário, ou seja, que o Rio-2016 indique o Comitê Irlandês (OCI) como o ATR (agente oficial) para o Jogos do Rio e que o OCI, por sua vez, apontará o THG como seu sub-agente para os Jogos”, indicou.
Procurado pela reportagem, o COI se recusou a fazer qualquer comentário ao ser questionado pelo jornal O Estado de S.Paulo sobre os e-mails citando dois de seus mais altos dirigentes. “Não temos comentários, já que assunto é alvo de inquérito”, indicou Mark Adams, porta-voz do COI.
Se o COI insiste até agora que não tem relações com a empresa THG no Rio. Os e-mails também provam que a entidade internacional havia dado à companhia sob suspeita um contrato para os Jogos de Inverno de 2018, em PyeongChang, na Coreia do Sul.