Cidades

“É um retrocesso querer impor a maternidade fruto de um crime como o estupro”, diz ONG Católica

Proposta do bispo de Guarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini, deve colocar a Igreja Católica novamente no centro de um embate político e moral

O movimento por legislação estadual contra o aborto, defendido pelo bispo de Guarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini, deve colocar a Igreja Católica novamente no centro de um embate político e moral. A proposta de retirar, inicialmente da Constituição Estadual, a permissão legal para aborto nos casos de estupro e risco à vida da mãe, já é contestada por algumas entidades de classe, membros da sociedade civil e até mesmo pelos católicos.

Fundada há 18 anos, a Organização não Governamental (ONG) Católicas pelo Direito de Decidir se posiciona de forma contrária à proposta, que ainda está tomando corpo, sob o argumento de que é um direito da mulher optar pela maternidade, especialmente se ela é fruto de uma violência sexual, como o aborto. "É um retrocesso para a sociedade que a Igreja Católica mantenha esse pensamento de que pode interferir ou ditar as regras no aspecto dos direitos da mulher, de que pode privar a mulher de decidir pelo seu corpo. A igreja precisa deixar esse conservadorismo de lado e acompanhar a evolução da sociedade. Nem mesmo a ciência conseguiu definição para o momento em que começa vida; não é a igreja quem deve determinar isso", disse a psicóloga e membro da equipe de coordenação de projetos da Ong, Rosângela Talib.

De acordo com pesquisa realizada pela Ong junto ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) em 2006, 70% dos entrevistados consideravam justo o direito de optar pelo aborto nos casos previstos pela lei. "Ainda que exista legislação específica sobre o tema observamos dificuldades em garantir à mulher o direito de realizar o aborto nos casos de estupro, por resistência de alguns profissionais e por essa interferência da Igreja Católica", afirmou Rosângela.

"Por conta disso, o aborto é tido como a quarta causa de morte materna, segundo estatísticas do Ministério da Saúde. Segundo dados do Governo Federal, são registrados todos os anos cerca de 1,5 milhão de abortos inseguros em todo o País", acrescentou a psicóloga. Segundo ela, punir as mulheres que realizam aborto não garante resultados. A Ong defende, entretanto, que o aborto deixe de ser tratado âmbito legal e moral e passe a ser discutido como um problema de saúde pública.

Movimento por legislação estadual contra o aborto divide opinião de entidades de classe

Acostumada a atender e a presenciar o sofrimento de vítimas de violência, inclusive as de caráter sexual, a titular da Delegacia da Mulher de Guarulhos, Beatriz Amélia Romoaldo Relva, vê com preocupação a proposta da Igreja Católica em retirar da Constituição Estadual a permissão legal para aborto nos casos previstos pela lei. Ela defende que é um direito da mulher escolher com quem vai viver e com quem quer ter filhos.

"É justíssimo que a mulher tenha o direito de escolher se quer levar adiante uma gravidez indesejada, fruto de um crime hediondo como o estupro. Nós que presenciamos diariamente casos dessa natureza observamos o tamanho do sofrimento das vítimas, que muitas vezes preferem não levar os processos adiante para não lembrarem da maldade que sofreram", considerou a delegada.

Contrária a proposta defendida em Guarulhos pelo bispo Bom Luiz Gonzaga Bergonzini, a delegada diz sentir muito quando as vítimas de violência sexual grávidas tomam a iniciativa de procurar a justiça para realizar o aborto de forma tardia.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subseção Guarulhos, por sua vez opta pela neutralidade no assunto, mas defende a ampliação do debate. Titular do órgão e presidente da Comissão de Direitos Humanos, o advogado Fábio de Souza afirma que a questão é muito maior do que o posicionamento de instituições, governo ou igrejas.

 "A verdade é que não se pode impor a toda uma nação padrões de conduta ou de valores que estejam focados apenas em interesses de determinados movimentos, instituições, governos ou valores religiosos, pois o tema é extremamente relevante. Por isso, deve ser melhor repensado, preservando o direito à vida, inclusive o da própria gestante, analisando cada caso individualmente para evitar que seja causado um dano ainda maior, além daqueles que a gravidez fruto de estupro já causa", afirmou o advogado.

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