Escolhidos para trabalhar no grupo de economia na transição, André Lara Resende, Guilherme Mello, Nelson Barbosa e Pérsio Arida ficaram de fora das negociações da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição apresentada nesta quarta, 16, ao Congresso, pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin.
Eles foram "aconselhados" a ficar de fora da discussão. Essa sinalização ficou clara quando Guilherme Mello chegou ontem cedo ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede do gabinete de transição em Brasília, e disse que a "PEC era com o Senado".
O senador eleito Wellington Dias (PT-PI), destacado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para cuidar da articulação política da PEC, admitiu que os economistas estão apartados das conversas sobre o assunto, mas minimizou a ausência deles. "A missão do grupo de trabalho da economia é mais abrangente", disse ele, ao <b>Estadão</b>.
Uma reunião de forma virtual do grupo estava marcada para ontem, antes da entrega da PEC ao Congresso, mas não ocorreu. Os quatro não têm dado entrevistas sobre o assunto nem participado das reuniões para debater o texto. A reportagem apurou que as questões apontadas por eles sobre a PEC não serão absorvidas.
A ausência da participação dos economistas na discussão da PEC segue incomodando os investidores, contribuindo para a piora de preços de ativos no mercado. Quando o quarteto foi anunciado, a expectativa era de que participasse das negociações. Daí, a frustração de agora.
<b>Regra fiscal</b>
Também não foi bem recebida a fala de Alckmin de que a "ancoragem fiscal" será debatida mais à frente – ou seja, a definição de uma nova regra fiscal vai ficar para 2023. Ele acrescentou que o novo governo vai trabalhar pela responsabilidade fiscal, mas os agentes econômicos querem ver os planos da equipe de Lula para garantir a sustentabilidade da dívida no médio e longo prazo.
"É muito impressionante que a opinião da área econômica seja irrelevante para discutir um volume de gastos que pode representar 83% da economia da reforma da Previdência com um gasto de R$ 175 bilhões (por ano)", criticou o ex-secretário do Tesouro Jeferson Bittencourt, economista da gestora ASA Investments, antes de conhecer os detalhes da PEC. Ele lembra que a reforma previdenciária pretendia economizar entre R$ 800 bilhões e R$ 850 bilhões em dez anos.
Pelos seus cálculos, sem que haja um aumento considerável da carga tributária e adotando um cenário relativamente otimista, a dívida bruta ao fim do mandato de Lula estaria em cerca de 89% do PIB, ante estimativa de terminar em 75% neste ano.
"É incrível que, mesmo com vários especialistas alertando o novo governo para não cometer o erro do Reino Unido, essa transição está parecida em vários aspectos. A última é essa ausência do quarteto de economistas na discussão da PEC", avaliou o economista-chefe da BlueLine, Fábio Akira. "Tirar os técnicos da discussão foi malvisto no Reino Unido e está pegando muito mal no Brasil", disse.
<b>Mercado apreensivo</b>
A proposta do presidente eleito Luiz Inácio da Silva (PT) de retirar as despesas do Auxílio Brasil – que vai voltar a ser chamado de Bolsa Família – do teto de gastos sinalizou para os investidores do mercado financeiro que a aprovação de um novo arcabouço fiscal pode não acontecer até o fim do próximo governo. Essa foi justamente a preocupação do grupo de economistas da transição – André Lara Resende, Pérsio Arida, Guilherme Mello e Nelson Barbosa – transmitida aos negociadores políticos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição.
Lula prometeu na campanha revogar o teto de gastos – regra que atrela o crescimento das despesas à inflação -, e o mercado aguarda uma sinalização do novo arcabouço fiscal. Só com a nova regra na mesa seria possível fazer as contas sobre a trajetória de sustentabilidade da dívida pública a médio e longo prazos, considerando a expansão de despesas prevista na PEC.
Os economistas da transição avaliam que é preciso indicar uma nova regra para garantir credibilidade à política econômica de Lula no início do governo, o que não poderia demorar tanto tempo. Essa credibilidade é importante para a política de juros do Banco Central (BC) e para a redução do custo de financiamento da dívida do próprio governo.
A LDO serve de base para a definição do projeto de Orçamento, e o governo é obrigado a enviá-la até o dia 15 de abril de cada ano. A posição na ala política é de que um prazo de pelo menos quatro anos para o Auxílio fora do teto daria clareza de que é possível rever o arcabouço fiscal no mandato. Até porque o crescimento real de certas despesas (como dos benefícios do INSS) vai consumindo o espaço aberto no teto ao longo do tempo.
Em 2024, o espaço do teto já começa a apertar, sobretudo com a perda de base em função do ajuste do IPCA, o indicador usado para balizar a regra. Uma fonte envolvida nas negociações diz que é preferível colocar até 2026 para dar um fôlego ao debate sobre as novas regras.
Entre especialistas da área fiscal no mercado, a avaliação é de que o espaço aberto com a retirada do Auxílio Brasil – se governo e Congresso forem comedidos no reajuste de salários do funcionalismo e do ganho real do salário mínimo – deve ser suficiente para chegar ao fim do mandato. Nesse caso, não haveria motivo para gastar capital político para aprovar uma nova PEC. A análise que é feita, porém, é a de que, se vierem a fazer, será porque querem ainda mais espaço para gastar além dos R$ 175 bilhões fora da regra do teto que devem ser pedidos para 2023.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>