A versão da Bíblia que Frederico Lourenço está traduzindo é a chamada Bíblia grega. O Novo Testamento teve seus 27 livros escritos originalmente na língua de Homero. Dos 46 livros do Antigo Testamento no cânone católico, sete têm originais gregos. Os restantes 39 foram originalmente escritos em hebraico (com algumas seções menores em aramaico).
A partir do século 3º a.C., por conta da crescente “helenização da cultura judaica da Diáspora”, os textos em hebraico passaram a ser vertidos para o grego e durante os séculos seguintes uma versão grega da Bíblia se estabeleceu, e inclusive alguns dos textos originais em hebraico se perderam. A Bíblia grega passou a ser então fundamental para o estudo histórico do judaísmo e do cristianismo, “não esquecendo sua belíssima urdidura póetico-literária”, segundo o tradutor. A versão também possui sete livros a mais do que o cânone hebraico. A versão helênica é a citada por Jesus segundo os evangelistas – Paulo, cujos escritos em grego compõem grande parte do Novo Testamento, também construiu sua teologia com base nesses textos.
Outra diferença em relação à versão “canônica”: o texto chamado massorético, que constitui a Bíblia hebraica há mil anos, foi estabelecido entre os séculos 7º e 10º da era cristã. Portanto, o texto grego reflete um texto hebraico ainda mais antigo – tudo isso, segundo o detalhado prefácio de Frederico Lourenço na edição da Companhia das Letras. Lourenço diz que não tem competência teológica para analisar o texto das escrituras, mas ele cita uma miríade de estudiosos nas centenas de notas de rodapé do livro – este primeiro volume abarca os quatro evangelhos.
O prefácio também compreende uma breve história da Bíblia em Portugal – a primeira versão, pelas mãos de João Ferreira de Almeida (protestante), chegou em meados do século 18, na época proibida de circular no país, altamente católico. Houve outras versões, mas foi só em 1943, com uma encíclica do papa Pio XII que a Igreja romana passou a incentivar traduções. Segundo Lourenço, depois dessa data começaram a surgir versões do Novo Testamento (originalmente em grego) e, no caso do Antigo Testamento, a partir dos originais em hebraico. “O texto integral da Bíblia grega ficou para trás. Espero, assim, que o presente projeto venha preencher essa lacuna.”
Já em Livro Aberto: Leituras da Bíblia, que a Oficina Raquel, do Rio, publica em julho, Lourenço usa sua prosa cristalina para refletir sobre a aproximação aos textos, com uma perspectiva nem religiosa nem irreligiosa. “Sou sensível (diria mesmo hipersensível) ao apelo do Divino”, escreve. No prefácio, ele diz acreditar na existência de um homem real chamado Jesus, “que foi de fato crucificado em Jerusalém na década de 30 do século 1º da era cristã”. De resto, ele garante: “Pessoalmente, considero Jesus de Nazaré a figura mais admirável de toda a história da Humanidade”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.