Estadão

Editora Record cancela parceria com Prêmio Sesc de Literatura após ‘divergências’

O Grupo Editorial Record cancelou sua parceria com o Prêmio Sesc de Literatura após divergências com relação à edição de 2024. A editora já havia manifestado "extremo incômodo" no início de março, quando o Estadão revelou que indefinições, falta de diálogo, demissões e acusação de censura cercavam a tradicional premiação e colocavam em risco seu futuro.

A Record está junto com o Sesc desde a criação do prêmio literário, em 2003. Ela é responsável pela publicação dos livros vencedores. O comunicado foi feito ao <b>Estadão</b> nesta quinta, 21, depois de 20 anos de parceria.

"Encerra-se um ciclo de 20 anos, do qual o grupo tem muito orgulho e que nos trouxe um elenco admirável de novas vozes brasileiras. Diante de divergências com relação a novos caminhos do prêmio, as duas partes decidiram interromper o seu acordo. Agradecemos ao Sesc pelos ótimos anos de parceria e desejamos sucesso à nova versão do prêmio", diz o comunicado.

<b>O que é o Prêmio Sesc</b>

O Prêmio Sesc de Literatura reconhece o trabalho de autores estreantes nos gêneros romance e contos. Uma comissão externa lê os originais e escolhe o melhor nas duas categorias. Até 2023, o livro era lançado pela Record e o Sesc Nacional organiza um circuito pelas unidades da instituição, o que ajuda na divulgação da obra e no encontro entre autores e leitores. Desde que foi criado, já revelou nomes como Rafael Gallo, mais recente vencedor do Prêmio José Saramago, Luisa Geisler e André de Leones.

<b>Lembre o caso</b>

As inscrições para a edição de 2024 do Prêmio Sesc já deviam ter sido encerradas, mas o edital sequer foi lançado. A demora é justificada, pela entidade, como necessária para que possam fazer alguns ajustes, ainda em discussão, e também porque o prêmio deve incluir uma nova categoria, de poesia, este ano.

Segundo o <b>Estadão</b> apurou, tudo começou numa noite de celebração, quando o escritor e professor Airton Souza subiu ao palco de um evento comemorativo dos 20 anos do prêmio na Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, ao lado de outros escritores premiados, e leu um trecho de seu romance de estreia, o recém-premiado e publicado <i>Outono de Carne Estranha</i>.

A obra conta a história de um relacionamento homoafetivo entre dois garimpeiros na Serra Pelada, no Pará, nos anos 1980. A partir do romance proibido, o autor narra a realidade do que foi o maior garimpo a céu aberto do mundo e mostra o preconceito e o poder do Estado no local.

A leitura do trecho teria causado desconforto em dirigentes do Departamento Nacional do Sesc, que estavam na plateia. Enquanto o público ainda se preparava para deixar o local, funcionários teriam sido questionados sobre a decisão de fazer essa leitura em público. E o dia, que era para ter sido de festa, virou o que pessoas ligadas ao prêmio classificam como o início de seu fim.

Depois da Flip, uma conversa interna avaliou transferir a gestão da premiação para o Polo Sociocultural Sesc Paraty e foi iniciado um estudo para reformular o edital. A mudança, segundo fontes ouvidas pelo <b>Estadão</b>, seria para que os organizadores tivessem mais controle do que seria premiado – evitando, assim, que livros como <i>O Outono de Carne Estranha</i> chegassem à final.

À frente do Prêmio Sesc desde sua criação, em 2003, Henrique Rodrigues, que organizou a programação da entidade na Flip, foi demitido assim que voltou de férias, em janeiro. Ele chegou a testemunhar as primeiras tentativas de mudar o prêmio e foi contra as alterações.

O <b>Estadão</b> apurou ainda que circulou uma correspondência oficial para todos as regionais do Sesc, que poderiam receber os premiados no Circuito dos Autores, alertando sobre conteúdo do livro <i>Outono de Carne Estranha</i>. Além disso, a realização do circuito também está incerta. Segundo a Record, o agendamento das viagens é feito entre janeiro e fevereiro, mas, até o início de março, os autores não haviam recebido nenhuma informação sobre a turnê.

Em entrevista ao <b>Estadão</b>, publicada em 5 de março, Janaína Cunha, diretora de Programas Sociais do Departamento Nacional do Sesc, afirmou que a lisura do prêmio será mantida, e confirmou que o regulamento está passando por revisão e discussão.

Posso ajudar?