No boletim mensal que envia a seus associados, o Sindicato Nacional dos Editores de Livros lista as dez obras que foram mais pirateadas na internet no mês anterior. E, entre os títulos, há tanto de ficção como de não ficção – ironicamente, em setembro, ostentava o segundo lugar o romance A Menina que Roubava Livros (Intrínseca), do australiano Markus Zusak, que há anos faz sucesso no Brasil.
“Não temos condições de dimensionar quantos downloads de cada obra são feitas por dia, apenas temos um software que vasculha a rede em busca de sites piratas, que oferecem os títulos gratuitamente de forma ilegal”, comenta Sônia Machado Jardim, presidente do Snel e executiva da editora Record. “Tão logo detectamos um site, entramos na Justiça para impedir a pirataria. Mas, é como enxugar gelo, pois para cada site fechado, outro é rapidamente aberto.”
De fato, com o avanço tecnológico, um livro ocupa uma parte ínfima de um arquivo, exigindo apenas alguns segundos para a transferência completa de seu conteúdo. E, graças à tecnologia e-ink presente nos e-readers, um livro eletrônico pode acomodar milhares de textos em um único arquivo do tamanho de um vídeo. “É incrível a facilidade”, comenta Sônia.
Como ainda não há uma jurisdição específica para o tema, o que implicaria, por ora, na violação dos direitos do cidadão, a solução prática é aumentar o policiamento e a filosófica é acreditar na conscientização dos usuários.
“Desde que o Snel começou a apoiar a operação de busca e notificação de oferta de cópias piratas na web, percebemos que número de ofertas e de download tem se mantido alto, independentemente do crescimento da oferta de e-books, aumento no número de livrarias digitais e da distribuição de dispositivos de leitura”,
comenta Roberto Feith, da Alfaguara/Objetiva. “Perdura um fenômeno de comportamento bastante curioso: pessoas que seriam absolutamente contra a ideia de alguém entrar numa livraria, escolher meia dúzia de livros e sair sem pagar, acham perfeitamente normal fazer o mesmo no formato digital. Enquanto a sociedade como um todo não compreender que a remuneração do trabalho do autor, em qualquer formato, impresso ou digital, é fundamental para preservar a produção de cultura e conhecimento, a pirataria digital continuará como um grave problema para todo o universo dos livros.”
O mesmo pensamento é compartilhado por Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras. Para ele, a disposição de reconhecer o livro como o trabalho de um conjunto de pessoas é fundamental para controlar a ilegalidade. “Ao menos não vivemos a mesma situação que a Espanha, onde a pirataria quase liquidou com o mercado digital do livro”, comenta.
Um dos mais importantes centros editoriais da Europa, a Espanha foi surpreendida quando, em 2010, os downloads ilegais de livros digitais saltaram para 35% do total do mercado, frente a 19% do ano anterior. Por conta disso, estima-se em 400 milhões de euros o total da perda só no primeiro semestre daquele ano, número superior ao correspondente de todo 2009.
O fenômeno logo se tornou assunto de Estado. Ainda em 2010, a Federação de Grêmios de Editores da Espanha revelou que, em abril, a pirataria digital havia superado todas as fotocópias ilegais de 2009, a pirataria da pré-história. O surgimento dos tablets e sua rápida difusão eram apontados como principais responsáveis.
Já na Rússia, o que os editores esperavam se transformar em uma nova fonte de receitas – conteúdos comercializados por meio de dispositivos eletrônicos – quase se converteu em um buraco negro. Lá, com o surgimento de novas ferramentas digitais, subiu para 70% a quantidade de russos que leem e-books. O problema é que 92% desse total admitiu baixar seus livros gratuitamente na internet. Para se ter uma ideia da gravidade dessa cifra, nos EUA o número não passa de 12%.
Apesar do tremendo malefício provocado na indústria, a pirataria é vista, muito particularmente, como um selo de garantia. “Com exceção dos técnicos, normalmente obrigatórios, os livros de ficção, quando copiados ilegalmente, servem para nós como sinal de aceitação”, conta um editor, que pede anonimato. “Afinal, ninguém vai perder tempo pirateando porcaria.”
A prática, aliás, também não auxilia na definição do perfil do leitor que busca download gratuito proibido. “Não se pode dizer que se trata, em sua maioria de jovens, só porque eles dominam as ferramentas da internet”, acredita o escritor Eduardo Spohr, raro exemplo de sucesso que começou na web e que se transferiu para uma grande editora, a Record, na qual publica, desde 2011, a série Filhos do Éden. “Percebo nessa meninada uma adoração pelo livro como objeto de colecionador. Assim, quando eles não resistem e baixam algum arquivo ilegal, é normalmente para ter uma ideia de como é a trama – algo como, em uma livraria, ler a orelha e os primeiros capítulos do volume para ter a certeza da escolha.”
Idêntica impressão tem Paulo Rocco, presidente da editora que leva seu nome. “Os fãs baixam, sim, arquivos ilegais, mas é porque querem ter o sabor de serem os primeiros a descobrir a nova edição”, acredita. “Depois, com o livro lançado, eles compram.”
Rocco enfrentou um verdadeiro ataque na web quando publicava a saga do bruxinho Harry Potter, entre 1997 e 2011, dividida em sete volumes que venderam mais de 600 milhões de cópias em todo o mundo. Segundo ele, o mais comum era algum fã afoito adquirir um exemplar do original em inglês e, depois de passar madrugadas traduzindo de forma atabalhoada, colocar sua versão na internet. “Normalmente, era rejeitada porque mal escrita.”
O editor, no entanto, realmente ficou surpreso com a audácia de alguns leitores que, como verdadeiros hackers, conseguiram invadir o computador da tradutora Lia Wyler em busca de seus arquivos sobre a série. “Fomos obrigados a acomodar a Lia em uma sala na editora, onde mantinha contato direto com os editores, conseguindo assim terminar sossegadamente a tradução.”
O desejo de um fã, realmente, não tem limite. Sônia Jardim conta que determinada obra da americana Meg Cabot, autora da famosa série O Diário da Princesa, certa vez, já estava disponível na internet enquanto o livro ainda rodava na gráfica. “Isso revela que, a partir do momento em que o texto sai do computador e viaja para alguém na editora e daí para a gráfica, existem diversos pontos frágeis, que abrem brechas para o vazamento do conteúdo”, explica.
Para tentar ao menos detectar em qual ponto aconteceu o desvio, Rocco (assim como diversas editoras) instituiu diferentes marcas dágua que ficam nas páginas e identificam quem detinha aquele arquivo pirateado. “Assim, conseguimos ter uma ideia de quem poderia ter feito o desvio.”
Medidas como essa formam conjunto de defesa arquitetada pelos editores, que contam ainda com rastreadores na internet e eficientes escritórios de advocacia, que notificam os infratores. Isso enquanto aguardam uma definição da Justiça, que poderia ter vindo com o projeto de lei 5937, apresentado no ano passado e examinado pela comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados.
O projeto pedia a “proibição de publicação de conteúdo na internet sem autorização prévia do autor”. Ainda estabelecia que o usuário ou provedor que disponibilizem conteúdo na internet sem autorização prévia autor devem ser responsabilizados por danos gerados. A deputada Iara Bernardi, relatora do processo, rejeitou-o, alegando que apenas o Poder Judiciário pode julgar se determinado conteúdo fere os direitos autorais.
Os 10 Livros Mais Pirateados em Agosto
1 – Atlas de Anatomia Humana
2 – A Menina que Roubava Livros
3 – Alienação Parental
4 – As 48 Leis do Poder
5 – Álgebra Linear
6 – A Náusea
7 – A Vida Como Ela É
8 – A Torre Negra
9 – As Sete Leis Espirituais do Sucesso
10 – Anatomia Humana – Atlas Fotográfico Anatomia
Fonte: Associação Brasileira de Direitos Reprográficos