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Educação financeira e as greves


Imagine a seguinte situação orçamentária: receita familiar total líquida de R$ 5.000,00; despesas com parcelas de tudo que é pago via financiamento de R$ 1.750,00 (35%); demais despesas da família de R$ 3.000,00. Nesta situação, a família teria como superávit mensal R$ 250,00.


Digamos ainda que todos os financiamentos feitos por tal família tenham sido contraídos com parcelas fixas, ou seja, não importa o que aconteça, as parcelas caberão no bolso até que terminem. Esta é, obviamente, uma ótima medida para se precaver de reajustes fora do controle orçamentário doméstico.


No entanto, as demais despesas da família, como transporte, médico, cabeleireiro, escola, alimentação etc. e mesmo os preços regulados pelo governo, como as contas de água, luz, telefone, sofrerão a ação da inflação, algo que já está acontecendo.


No momento em que a inflação alcançar 10%, o impacto na parcela do orçamento familiar que não está fixado em parcelas elevará os gastos de R$ 3.000,00 para R$ 3.300,00. Neste cenário, todos os meses, faltarão R$ 50,00 no orçamento desta família.


Com o passar do tempo, as regalias conseguidas com o aumento da renda deixarão de existir. Passando mais um período, o essencial estará sob risco, pois a inflação deixou tudo mais caro e a simples conta de luz, que não é mais algo preocupante, passará a se tornar mais um motivo de aflição ao chegar pela caixa do correio.


Este é o principal motivo pelo qual muitos trabalhadores estão de braços cruzados forçando negociações salariais. De metalúrgicos a bombeiros.  Quando ouço que um soldado do corpo de bombeiros fluminense ganha R$ 950,00, fica claro que as premissas mudaram.


As prioridades do trabalhador de alimentar a família e dar estudo aos filhos são as mesmas de sempre e assim continuarão. Nada mais legítimo, justo e perfeito. No entanto, as premissas se adéquam ao tempo. Um bombeiro fluminense, que tem preparo físico, intelectual e psicológico para salvar vidas, passa a ter menos condições de servir aos filhos e volta a enfrentar as agruras orçamentárias que a inflação fez chegar a seu lar. O resultado disto é a paralisação.


Tudo poderia ter sido evitado com a inserção da educação financeira como prioridade. As empresas treinam, motivam, pagam os colaboradores, mas não os preparam para lidar com o dinheiro que recebem. Isto resulta na satisfação momentânea do funcionário por ter galgado um novo patamar de consumo, mas que não se sustenta, pois muito rapidamente culminará em nova insatisfação a ser resolvida com mais dinheiro, para que o ciclo vicioso se renove.


Aprender o que fazer com o dinheiro é tão importante quanto ganhar dinheiro. Nada é mais motivador, tranqüilizador e pacificador que ter a certeza do enriquecimento e da formação de patrimônio com aquilo que se tem. A certeza que nada faltará ao trabalhador e a sua família pela renda de seu trabalho se dá pelas premissas da boa educação financeira, sendo esta uma prioridade em nossa sociedade.


Por enquanto, continuamos com o consumo exacerbado, inflação e greves.


 


Mauro Calil


Palestrante, educador financeiro e autor do livro “A Receita do Bolo” .

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