Variedades

Edvaldo Santana flutuando nos metais

Um poeta urbano. Um cronista atento aos detalhes do cotidiano. Aos 61 anos, o cantor e compositor Edvaldo Santana construiu, ao longo de sua carreira, uma obra sensível, coerente, inspirada pelo que ele capta ao seu redor, mas também pela sua vivência, impregnada muito de seu São Miguel, bairro da zona leste de São Paulo onde foi criado. Outro traço marcante de seu cancioneiro é a incursão pelos diferentes ritmos e gêneros, e pelas fusões sonoras – pela música negra, os sons nordestinos, o blues, os ritmos latinos e por aí vai. A cada disco, todos esses elementos são potencializados, mas trazem nuances que conferem frescor a um jeito de fazer música já sedimentado por Edvaldo. É assim também em seu novo disco de inéditas, Só Vou Chegar Mais Tarde, o oitavo da carreira – e que será lançado nesta quinta-feira, 1º, em show que apresenta no Sesc Pompeia.

O disco, autoral, vem nessa atmosfera desde a primeira faixa, 40, numa levada rockabilly, em que se sobressaem baixo, bateria e metais. E já dá uma amostra da sonoridade de big band que chama atenção no repertório do álbum – que reúne 13 faixas. O naipe de metais, em especial, é a grande sacada desse novo trabalho. Não que os metais já não tivessem sido incorporados em outros álbuns de Edvaldo, mas não dessa maneira, digamos, encorpada. Diferentemente do que fez em seu álbum anterior, Jataí, de 2011, que vinha com uma base forte de baixo, percussão, guitarra e violão. Agora, o protagonismo fica por conta dos metais, junto com baixo e bateria.

“O Jataí é um disco semiacústico e o seguinte tinha de ser diferente. Depende das composições para saber o que você vai usar, mas eu já tinha em mente essa mudança. Eu tinha feito 40 e Só Vou Chegar Mais Tarde, que já mostravam essa pegada. E, com o Luiz (Waack, que assina a produção do trabalho com Edvaldo, além de tocar no disco), comecei a pensar a arregimentação disso”, afirma Edvaldo, após um dia de ensaio para o show em São Paulo. “Os arranjos de metais do disco são feitos em cima dos meus vocalises.”

Logo na sequência da canção 40, Só Vou Chegar Mais Tarde transporta o ouvinte para outro universo, com sua sonoridade country, misturada com músico nordestina e dixieland (subgênero do jazz criado no começo do século 20, em Nova Orleans). Predicado é conduzido pelo piano. Ando Livre se envereda pelo bolero, cuja sanfona faz ponte também com o Nordeste. Em Gelo no Joelho, Edvaldo retorna ao samba – e segue pelo disco percorrendo pelo rock, blues e jazz e mais sambas.

Autobiografia

Edvaldo Santana gosta das crônicas, como faz em Predicado (Metrô tá cheio passageiro tá sozinho/Essa viagem é quase todo dia assim/Com redfone tablet smarthfone chiclets), mas suas letras autobiográficas também são saborosas. Na canção 40, ele conta sobre sua trajetória, as influências e os parceiros de vida e de música. “Quem joga atrás joga com medo/ Tom Zé Lelê Bashô Pinduca Arnaldo Lepetit/ Um jet black zona leste”, diz num trecho. Em Sou da Quebrada, fala das suas origens: “Sou da quebrada mas eu sou das antigas/ Se precisava tinha quem socorria”.

Gelo no Joelho (parceria dele Luiz Waack) também é autobiográfico – das dores no corpo que sente depois de bater bola com os amigos -, mas, mais do que isso, mostra o amor dele pelo futebol, tema recorrente em sua obra. Outro momento do novo disco em que ele volta a esse universo é na música Dom, em homenagem a Sócrates, ídolo do Corinthians. Edvaldo conta que foi, há alguns anos, convidado para fazer a trilha do que seria um documentário sobre o jogador, mas o projeto acabou não saindo. Mas o músico, que é admirador do craque, morto em 2011, ficou com aquela ideia na cabeça. “Como o documentário não deu certo, pensei em fazer uma música. Fui fazendo devagar.” “É doutor pra jogar no meio tem que ter o dom/ É doutor mas pode chamar de magrão”, canta no refrão. Na faixa bônus, Canção, tem uma outra espécie de tributo, feita a partir de uma versão de Augusto de Campos do poema provençal de Guillaume de Poitiers.

Com o pé na estrada, sempre, Edvaldo Santana não tem pressa para fazer seus discos. O fato de ser músico independente também lhe dá essa liberdade. Gosta de ficar “burilando” suas composições para “ver no que vai dar”. Com Só Vou Chegar Mais Tarde foi assim. E o resultado do novo álbum valeu a espera.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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