Na produção de um texto a utilidade dos detalhes é a de causar, pela sua acumulação, aquilo que dois especialistas em Teoria da Narrativa, Ana Cristina Lopes e Carlos Reis, chamam de “efeito de real”. Estes estudiosos mostram como os detalhes enraízam o que é descrito por qualquer autor num espaço e num tempo precisos. E, com isto, aumentam o grau de credibilidade do texto. Pois, diz Roland Barthes, são “operadores de verossimilhança”.
Assim, a capacidade de caracterizar um objeto depende da capacidade de percepção dos detalhes daquele objeto. Entendendo-se a palavra objeto, aqui, como designativa de tudo o que pode ser percebido por um dos nossos sentidos.
A procura dos detalhes característicos nos permite experimentar uma agradável sensação de redescoberta dos elementos mais comuns da convivência diária, quase sempre não muito intensamente observados por nós. A fim de treinar seus leitores que pretendam se tornar escritores, na redescoberta de objetos familiares, Antônio Severino Barbosa, em “Redação: escrever é desvendar o mundo”, sugere que eles observem cuidadosamente os detalhes de um palito de fósforo, de uma nota de dinheiro e até de um pedaço de parede.
Podemos ver como um jornalista-escritor opera com os detalhes na criação de seu texto através do trabalho de Narciso Kalili publicado naquela que, ainda hoje, quarenta anos depois de deixar de circular, é considerada como a mais importante mídia de reportagens impressas já surgida no Brasil, a Revista Realidade. O texto dele mostrava como vivia um professor submetido ao domínio do vício da cocaína. No trecho transcrito a seguir, Kalili descreve o apartamento onde o professor vive:
“O apartamento do professor é igual a centenas de outros existentes em certa região da Vila Buarque, bairro tradicional de marginais e criminosos, que a crônica policial paulista, com razão, mas sem originalidade, apelidou de submundo do crime. Situado no quinto andar de um edifício de dez, o apartamento tem uma sala-living grande e escura, que o professor dividiu em duas, transformando a parte da frente
Nestas poucas linhas, Kalili acumulou detalhes sobre a aparência do apartamento (igual a centenas de outros de sua região), a denominação dada pela crônica policial (sem originalidade), a localização do apartamento no número de andares do prédio (quinto de dez), a sala-living (grande e escura, dividida em duas, a primeira transformada em escritório), o corredor (sai da parede lateral da sala, tem acessos para a cozinha, o banheiro, o quarto de dormir), e, a iluminação do apartamento (claro apenas no corredor, de dia).
Quem se der o trabalho de contá-los, vai verificar que mais de dez detalhes somente sobre o espaço físico estão acumulados neste pequeno trecho da narrativa criada por Narciso Kalili.
Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP