Estadão

Eleição de extremos no Chile amplia polarização

A sucessão presidencial do Chile, que se definirá amanhã, em segundo turno, entre o conservador José Antonio Kast e o esquerdista Gabriel Boric, ampliou a polarização no país. Palco da onda de protestos de 2019, a Plaza Dignidad (antiga Plaza Italia) ainda guarda resquícios dos distúrbios. Há mensagens políticas em quase todos os prédios à volta, seja em cartazes ou em pichações.

Ontem, a praça, no centro de Santiago, amanheceu dividida. Apoiadores de Kast se reuniram para restaurar o setor da rotatória que dá acesso ao Morro San Cristóbal, plantando flores e pintando a base onde ficava o monumento ao general Manuel Baquedano. Na noite anterior, eleitores de Boric haviam se reunido no local para celebrar a morte de Lucía Hiriart, viúva de Augusto Pinochet.

Para os conservadores, a restauração da praça é um retrato de dois Chiles. "Ontem, na Plaza Italia, eles (manifestantes de esquerda) cantaram e dançaram com um nível de ódio impressionante. Nossos jovens estão em uma posição diferente, querem mostrar o que queremos do Chile", afirmou Mario Desbordes, ex-presidente da Renovação Nacional, em entrevista à Rádio Universo.

"Grama, flores e paz em uma metade da Plaza Baquedano e na outra metade a destruição, ódio e divisão representada por uma bandeira negra chilena. Decida qual Chile você quer", escreveu o vereador de Lo Barnechea, Cristián Daly, em suas redes sociais.

<b>Hábito</b>

Todas as sextas-feiras, segundo os comerciantes locais, já acostumados com os tumultos, a praça se torna palco de manifestações de diferentes grupos políticos. Por muito tempo, os protestos tiveram apoio da sociedade, afirma a analista Pamela Figueroa. "Isso se refletiu no acordo para a mudança constitucional e o apoio à constituinte", afirma.

Com os protestos cada vez mais violentos, o apoio diminuiu. "De modo geral, havia rechaço à violência. Além disso, depois que se elegeu a Constituinte, as pessoas passaram a preferir o caminho institucional", afirma Figueroa.

As cenas de destruição deixadas em alguns pontos e as críticas aos Carabineros, como é conhecida a polícia do Chile, se tornaram armas na mão da direita, que passou a utilizar jargões como "ordem" e "paz" para atrair eleitores incomodados com os protestos.

Mas polarização parece ter fracassado na mobilização dos eleitores. Kast e Boric não foram capazes de entusiasmar parte importante dos chilenos – cerca de 20% ainda se diz indeciso e mais de metade sequer votou no primeiro turno. "Não estamos polarizados como no Brasil ou nos EUA", afirma Claudia Heiss, historiadora do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile. "A polarização que existe é incentivada pela política institucional, produzida muito mais de cima para baixo do que ao contrário."

<b>Divisão</b>

Os dois grupos mais tradicionais da política do Chile – a centro-esquerda, de Michelle Bachelet, e a centro-direita, de Sebastián Piñera – ficaram de fora do segundo turno. Mas essa ausência, acredita Claudia, não se deve à polarização. "A maioria dos chilenos se identifica como de centro", disse. "Mas os moderados não encontram a expressão de seus ideais e de suas posições nos grupos tradicionais."

Ao contrário do que os protestos insinuam, a sociedade chilena está menos politizada, afirma Claudia. "Houve uma mudança grande nos últimos anos. O país tinha uma sociedade muito mais engajada, que se informava sobre política e tinha tradição de participação popular. Hoje, as pesquisas mostram que as pessoas cada vez menos falam de política."

Para o analista Patricio Navia, uma das chaves pode estar na identificação ideológica dos chilenos. "De modo geral, o que vemos em pesquisas é que cada vez menos as pessoas se identificam com a esquerda e com a direita. Elas se definem como centristas."

Para ele, existem semelhanças entre o que acontece no Chile e no Brasil, como os discursos populistas de direita, bandeiras anti-imigração e posições conservadoras nos costumes. Mas há também diferenças. "Se compararmos Kast e Jair Bolsonaro, veremos que Kast é um conservador de verdade. Ele só esteve casado uma vez, tem 9 filhos", afirma.

Outra diferença, segundo Navia, é que populistas de direita, como Bolsonaro e Donald Trump, eram candidatos da mudança. "No Chile, Kast é o status quo, contra a esquerda, que pretende mudar o modelo econômico do país."

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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