Se o talento esportivo está no DNA, os irmãos Felipe e Carolina Meligeni têm um grande futuro pela frente. Sobrinhos de Fernando Meligeni, um dos melhores tenistas da história do Brasil, os irmãos conquistaram grandes resultados na reta final da temporada 2020 e mostram que podem ir tão longe quanto o tio no circuito.
Carol brilhou na reta final da temporada ao faturar dois títulos em três semanas no Egito, em competições de nível ITF, logo abaixo da WTA, que reúne a elite do tênis feminino. Foram 14 vitórias e apenas uma derrota no período. Felipe, por sua vez, ficou mais perto da elite masculina ao ser campeão do Challenger de São Paulo e semifinalista do Challenger de Campinas, em semanas seguidas, entre o fim de novembro e o início de dezembro.
Na capital paulista, Felipe viveu a melhor semana de sua carreira até agora. Foi campeão tanto em simples quanto nas duplas. Se terminou 2019 como o 391º do mundo, o sobrinho de Fernando Meligeni finalizará 2020 em 231º , seu melhor ranking até agora. Para 2021, a meta é disputar os quatro Grand Slams, mesmo que seja começando pelo qualifying, e adentrar o sonhado Top 100 do ranking.
Carol, por sua vez, fez um fim de temporada de recuperação. Ela oscilou no circuito após brilhar em 2019, seu melhor ano até agora. Foi quando conquistou a medalha de bronze nas duplas nos Jogos Pan-Americanos de Lima, passou perto do pódio em simples, e obteve seu melhor ranking: 322º. Hoje ela é a 384ª do mundo.
Mais velha entre os irmãos, ela tem 24 anos e entrou mais cedo nas quadras. Felipe tem 22. Ambos são filhos de Paula Meligeni, irmã mais nova de Fernando. A mãe dos jovens tenistas brasileiros chegou a ser uma das melhores juvenis do Brasil em sua época. Mas decidiu não tentar carreira no profissional. O mesmo aconteceu com Flávio, seu marido e pai de Carol e Felipe. Ambos se tornaram professores de tênis.
"Comecei no tênis dentro dos carrinhos de bola dos meus pais. Eles colocavam eu e minha irmã lá enquanto davam aula", lembra Felipe. Ele e sua irmã começaram a treinar em Campinas, onde nasceram. "Minha irmã começou primeiro e eu fui junto porque gostei bastante. E segui os passos dela naquele momento."
Em entrevista ao Estadão, a dupla enfatiza que nunca houve cobrança para seguirem a tradição da família no tênis. Tiveram oportunidade de conhecer e praticar diversos esportes, mas acabaram se apaixonando pela modalidade dos pais e do tio. "Acabou que foi natural. Apresentaram para mim outros esportes, mas desde pequena eu me identifiquei muito e quis fazer tênis", recorda Carol.
Pouco a pouco os dois foram evoluindo em competições infantis e juvenis. E, nos dois casos, a experiência fora do Brasil foi fundamental para o crescimento. Carol saiu mais cedo. Com 15 anos, já treinava no Uruguai. Depois, Argentina. "Sempre tive muito claro que era isso que eu queria para a minha vida. E por isso a minha decisão de morar fora e buscar coisas novas."
Felipe partiu para Barcelona no início de 2018. Desde então, treina na academia BTT, que tem como um dos sócios Francis Roig, um dos treinadores de Rafael Nadal. "A minha mudança para a Espanha foi essencial para a minha evolução, para a minha melhora como tenista e como pessoa. Me ajudou a amadurecer. Melhorei muito técnica, física e mentalmente", diz o tenista.
O sobrinho de Meligeni foi treinar na Espanha com apoio da Confederação Brasileira de Tênis (CBT). A parceria, contudo, acabou e Felipe precisou se manter na academia com recursos próprios. E, como o câmbio não ajudou nos últimos anos, viver "em euro" se tornou missão difícil. Ajuda de empresas, de patrocinadores e da família têm sido fundamentais para ele seguir em Barcelona.
E é aí que a família novamente ajuda na carreira dos dois irmãos. "O sacrifício da minha irmã e do meu cunhado é até desumano. Eles dão aula das 7h às 22h quase todo dia para bancar os dois filhos no circuito. Estão sempre contando o dinheiro. Será que vamos aguentar?. Às vezes bate o desespero, já tivemos várias conversas em família sobre o assunto. Mas faz parte. Paula e Flávio são apaixonados por tênis", revela o tio Fernando, ao Estadão.
COACH DE WHATSAPP – Fernando Meligeni não estava muito próximo aos sobrinhos quando eles começaram a se empolgar com o tênis, ainda crianças. Na época, viajava pelo mundo enfrentando rivais do porte de Pete Sampras e Andre Agassi. Jogava duplas ao lado de Gustavo Kuerten. Foi campeão pan-americano, semifinalista de Roland Garros e 25º do ranking.
Como tio, Meligeni dá apoio incondicional aos sobrinhos, quase sempre à distância. "A gente conversa sempre. Em algumas vezes em que eu estive mais perdida, mais sentimental, ele sempre me deu muito suporte. É o meu coach de Whatsapp", diz Carol, entre risos. "Toda vez que estou no Brasil, ele é sempre muito presente. Treinamos, conversamos. Pra mim, é uma honra porque não é todo mundo que tem a oportunidade de ter uma pessoa na família que foi tão bem-sucedida no mesmo esporte que você pratica."
Os conselhos são frequentes. E os puxões de orelha também. Felipe lembra até hoje de uma advertência que se tornou decisiva em sua carreira. "Eu tinha 16 ou 17 anos. Ele falou que eu estava muito chorão nos jogos, reclamando muito. Disse que eu estava em momento decisivo no tênis, numa fase terminal. Fiquei em choque: uma fase terminal? Jesus Cristo, eu tô ferrado aqui", recorda o tenista de 22 anos. "Foi um negócio que me chocou e abriu muito os meus olhos para o que eu realmente queria. E isso me deu um impulso muito grande. E agradeço a ele todos os dias por isso."
O dono de três títulos de nível ATP não esconde o orgulho dos sobrinhos. "O Felipe tem muita potência, a bola dele anda demais, coisa rara no circuito. O mundo está aparecendo para ele de um dia para outro. Muita coisa nova. Tem tudo para estourar a boca do balão. Espero que seja bem melhor que o tio", afirma Meligeni.
O tio vê mais semelhanças do seu jogo com a sobrinha. "Ela é uma guerreira, lutadora, trabalhadora incansável. Não mede esforços para conseguir os seus objetivos. É muito parecida comigo, mais limitada tecnicamente, como eu era. Por isso temos essa sinergia maior", compara Fernando. "Quando eu ouço ela descrevendo um jogo, parece que era eu jogando, eu de saias."
Nos dois casos, o ex-tenista vê espaço para evolução. "O Felipe sabe que precisa melhorar o saque, chegar mais à rede, ainda joga muito no fundo. E também precisa amadurecer. A Carol precisa confiar no taco dela cada vez mais. Quando ajustar uma ou duas coisas, vai melhorar absurdamente", avalia.