Além, é claro, de todas as alterações provocadas pela pandemia da covid-19 como adiamento por um ano e a ausência de torcedores nas arenas, os Jogos de Tóquio deverão ser lembrados na história olímpica como um marco na luta por igualdade, respeito às diversidades e abertura às manifestações sociais e políticas dos atletas. A cerimônia de abertura será na sexta-feira às 8 horas (horário de Brasília) com todas essas questões jogadas na mesa.
O Comitê Olímpico Internacional (COI), inclusive, vai usar a gigantesca audiência do evento no Estádio Olímpico de Tóquio para mostrar "a capacidade de celebrar as diferenças". Por isso, o órgão anunciou mudanças no juramento olímpico, que será lido na cerimônia. A pedido da Comissão de Atletas, pela primeira vez os termos "inclusão" e "igualdade" farão parte do texto. Outra mudança é que, se antes estava previsto que três pessoas leriam a declaração, agora o número passou para seis (dois competidores, dois treinadores e ainda dois juízes de provas).
"Os Jogos Olímpicos vão unir o mundo em toda a nossa diversidade. Eles vão mostrar que somos mais fortes juntos em toda nossa solidariedade", declarou o presidente do COI, o alemão Thomas Bach, após encontro com o primeiro-ministro do Japão, Yoshihide Suga, na semana passada.
Para entender essa busca por igualdade de gênero dos Jogos Olímpicos é preciso voltar um pouco no tempo. Mais precisamente em fevereiro, quando Yoshiro Mori foi pressionado a renunciar ao cargo de presidente do Comitê Organizador depois de comentários sexistas, quando disse que "as mulheres falam demais nas reuniões do Comitê". Não ficou no cargo. Para o seu lugar, foi escolhida a ministra e ex-atleta olímpica Seiko Hashimoto, que assumiu com o compromisso de não apenas fazer dos Jogos de Tóquio um ambiente mais igualitário como também aumentar o número de mulheres na direção do órgão organizador.
Os Jogos de Tóquio, inclusive, serão os de maior igualdade de gênero na história da competição, com 48,8% de participação feminina entre os quase 11 mil atletas. Para a Olimpíada de Paris, em 2024, a meta é ter exatamente o mesmo número de atletas homens e mulheres. Para isso, nos últimos anos o COI promoveu uma reestruturação das vagas olímpicas, aumentando o número de mulheres nos Jogos.
Outra decisão da entidade nesse sentido foi a alteração nas regras da cerimônia de abertura, permitindo que a partir de agora os Comitês Olímpicos Nacionais indiquem uma mulher e um homem para carregarem juntos a bandeira nacional no evento. No Time Brasil, onde a participação feminina é de 46,9% da delegação, os porta-bandeiras serão a judoca Ketleyn Quadros (bronze em Pequim-2008) e Bruninho (ouro na Rio-2016 e prata em Pequim-2008 e Londres-2012 no vôlei).
Entre os atletas brasileiros no Japão, a principal expoente desse novo momento do movimento olímpico de igualdade de gênero é a atacante Marta, seis vezes escolhida a melhor do mundo. Homossexual declarada, a jogadora usará nos Jogos uma chuteira com a marca da campanha "Go equal", que pede equiparação salarial entre mulheres e homens, num movimento forte nos EUA. Antes da partida de estreia da seleção, quarta-feira, contra a China, a atacante já chamou atenção ao protestar nas fotos oficiais da Olimpíada, quando cobriu com o cabelo o símbolo da marca esportiva que fabrica os uniformes do Brasil.
No campo da diversidade, a halterofilista Laurel Hubbard, da Nova Zelândia, será a primeira atleta transgênero a competir numa Olimpíada. Ela chegou a participar da categoria masculina antes de realizar a transição de gênero, em 2013, mas se tornou elegível para competir com as mulheres após apresentar níveis de testosterona abaixo dos limites exigidos pelo COI.
A expectativa, inclusive, é de que o debate sobre temas do movimento LGBT ganhe força durante os Jogos. "Eu sou a prova viva de que um LGBT pode jogar em alto nível como um hétero, sem problema nenhum. A gente precisa levantar essa bandeira em busca de igualdade", diz o ponteiro da seleção masculina de vôlei Douglas Souza. "Acho extremamente importante a gente estar aqui em competições internacionais, desse tamanho, desse nível, porque somos pessoas iguais a todos. Não queremos ser melhores do que ninguém. Queremos apenas direitos iguais e sermos tratados da melhor maneira possível, assim como todo mundo."
Nos Jogos do Rio, por exemplo, Isadora Cerullo, jogadora da seleção brasileira de rúgbi, recebeu um pedido de casamento no meio do campo da sua namorada e então voluntária, a gerente Marjorie Enya. Cinco anos depois, ela novamente vai representar o Brasil na competição olímpica em Tóquio em uma situação bem diferente daquele do seu país em 2016.
Naquela ocasião, 56 atletas e técnicos se declaravam abertamente gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros ou transexuais. Quatro anos antes, em Londres, o número de assumidos era de 23. Em Pequim-2008, eram somente dez, de acordo com o site Outsports, especializado em notícias esportivas com foco em questões LGBT, que aponta que em Tóquio a lista recorde já conta com ao menos 142 nomes.
POLITIZAÇÃO – Na esteira de movimentos como o "Black Lives Matter" (Vidas Negras Importam), o COI também deixou mais brandas as suas regras e a partir de Tóquio passará a admitir protestos nas entrevistas, redes sociais e nos recintos das competições, durante ou antes do início das provas. Mas a entidade alerta que os atletas precisam respeitar os protocolos das cerimônias de abertura e encerramento e também o momento de premiação no pódio sob o risco de serem punidos.
No Rio, o maratonista etíope Feyisa Lilesa chamou atenção ao ganhar a medalha de prata na maratona e erguer e cruzar os pulsos na linha de chegada, como se estivesse algemado, numa demonstração de apoio à tribo Oromo.