São filmes em princípio bem diversos, um documentário, uma ficção. Abordam a questão que era tradicional, antes ninguém contestava, mas agora ficou explosiva, dos gêneros. Precisamos Falar do Assédio, de Paula Sacchetta, dá voz a mulheres que sofreram com a violência masculina. Stonewall – Onde o Orgulho Começou, de Roland Emmerich, é sobre os incidentes, a brutal repressão, naquele bar de Nova York que deu origem ao gay pride.
Diferentes – em tudo -, mas em ambos está a mesma questão básica. O respeito à diferença. É fácil desqualificar Stonewall, e foi o que a maioria da crítica fez, não resistindo à tentação do trocadilho. Emmerich, o senhor filme desastre, fez um filme desastroso. O mais norte-americano dos cineastas que não nasceram nos EUA costuma pensar grande – Independence Day 1 e 2, O Dia Depois de Amanhã, etc. Mas, de vez em quando, ele faz filmes menores, e são aqueles em que tenta ser mais pessoal.
Encarou a questão gay de Shakespeare em Anônimo – afinal, ele era ou não era? -, volta a ela em Stonewall. Até em Independence Day – Ressurgimento, fez do cientista que ressurge do coma um combatente da causa – e um guerreiro na luta contra os ETs. Emmerich tem ganhado tanto dinheiro com seus disaster movies que, aqui, colocou dinheiro do bolso na produção. “Para não sofrer nenhuma pressão”, explicou. O problema é que Emmerich pratica um cinema de ação à base de clichês. Eventualmente, diverte, mas não se liberta dos estereótipos.
Stonewall conta a história do garoto gay que foge à pressão da vida interiorana e se aventura na fauna de Nova York. Encontra um monte de gente como ele – desajustados diversos, homens e mulheres. Frequentam o mesmo bar, Stonewall. O polícia baixa ali com frequência, mas nesse dia a coisa ferve. Os frequentadores reagem, vira um massacre. Tudo é mais ou menos morno, embora alguns atores defendam seus personagens com mais convicção. O amor de Ray por Danny e a fixação do mesmo Ray em Judy Garland (claro!), a irmã de Danny que é louca por Andy Warhol, etc. Tudo explode em Stonewall, mas o filme, de alguma forma, se reduz à velha história da chegada de um garoto à idade adulta, com a diferença de que ele é gay.
Não é ruim, completamente. Nem bom. Boas intenções, resultado médio. Precisamos Falar do Assédio é de outra natureza. No recente Festival de Brasília, a diretora explicou a gênese do projeto. Precisamos Falar nasceu como um experimento social. Durante a semana da mulher, a produção estacionou sua van-estúdios em nove locais de São Paulo e do Rio. Mulheres eram estimuladas a relatar suas experiências de assédio. E para resguardar a privacidade ficavam sozinhas na van, sem ninguém para puxar a conversa. Usam máscaras, para não ser identificadas, só uma dá seu depoimento de cara descoberta.
Algumas vacilam. Choram. E as histórias vêm – aos 85 anos, a idosa não esconde a noite em que, 40 anos atrás, foi arrastada para o mato e violentada, e o estuprador, ela descobriu depois… Veja para saber quem era. A garota lésbica que se desespera – o estuprador não levou só sua virgindade. Levou a alma, também. Outra garota queixa-se – foi pedir socorro ao policial e ele, que devia defendê-la, deu aquele sorrisinho. O dispositivo é sempre o mesmo. Uma espécie de Eduardo Coutinho sem Coutinho. Considerações estéticas à parte, não dá paras ficar indiferente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.