Mais de 60 bebês, crianças e adolescentes morreram nas últimas seis semanas presos em condições angustiantes em um orfanato de Cartum, capital do Sudão, em meio aos confrontos violentos. A maioria morreu por falta de comida e infecções – 26 morreram em apenas dois dias.
A extensão do sofrimento das crianças foi revelada por entrevistas com mais de uma dúzia de médicos, voluntários, autoridades de saúde e funcionários do orfanato Al-Mayqoma, feitas pela agência Associated Press, que revisou dezenas de documentos, imagens e vídeos mostrando a deterioração das instalações.
Um vídeo feito por funcionários do orfanato mostra corpos de crianças embrulhados em lençóis brancos aguardando o enterro. Em outro, mais de 20 bebês de fraldas estão sentados no chão de uma sala, muitos chorando, enquanto uma mulher carrega jarros com água.
Um funcionário do orfanato explicou que as crianças foram transferidas para aquela sala depois que um bombardeio cobriu o local com poeira pesada, na semana passada. "É uma catástrofe", disse Afkar Omar Moustafa, voluntário do orfanato. "Era algo que esperávamos desde o primeiro dia da luta."
Entre os mortos estavam bebês de apenas 3 meses, de acordo com os atestados de óbito e informações de funcionários do orfanato. No fim de semana, 14 crianças morreram na sexta-feira, 26, e 12, no sábado, 27.
<b>Conflito</b>
O estado de calamidade em que mergulhou o Sudão é resultado de um conflito pelo poder. O general Abdel-Fattah Burhan deu um golpe de Estado em 2021, interrompendo a transição democrática. Seu braço direito era Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti.
Burham controla o Exército. Hemedti é chefe do grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (FAR). Os dois romperam em abril e começaram uma guerra pelo controle do Sudão. O conflito já deixou 2 mil mortos e mais de 100 mil abandonaram o país. Como efeito colateral, a comida sumiu dos mercados, os remédios desapareceram e a energia elétrica foi cortada.
Nesta quarta-feira, 31, ONGs alertaram que mais crianças poderiam morrer se não houver uma retirada em massa dos habitantes de Cartum. Até segunda-feira, 29, havia pelo menos 341 crianças no orfanato Al-Mayqoma, incluindo 165 bebês de até 1 ano. Havia outras 128 crianças com idades entre 1 e 13 anos.
Entre as que ainda estão no local, cerca de 20 haviam sido internadas em Cartum. Os hospitais, porém, fecharam por falta de energia ou por causa dos bombardeios, e as crianças tiveram de voltar ao orfanato.
"Logo nas primeiras semanas de conflito, alimentos, remédios, fórmulas para bebês e outros suprimentos ficaram escassos, porque os combates eram tão intensos que os cuidadores não conseguiam sair para comprar ou buscar ajuda, disse Heba Abdalla, enfermeira do orfanato. "Por muitos dias, não conseguimos encontrar nada para alimentá-los. Elas choravam o tempo todo de fome."
Rapidamente, o orfanato se tornou inacessível e o número de enfermeiras, babás e outros cuidadores começou a cair. Muitos dos funcionários eram refugiados de Etiópia, Eritreia e Sudão do Sul, que escaparam de suas próprias guerras. Não demorou para que as crianças começassem a morrer. No início, havia entre três e seis mortes por semana. Com o tempo, o número aumentou exponencialmente.
<b>Causas</b>
A Associated Press obteve 11 certidões de óbito, incluindo 8 datadas de domingo, 28, e 3, de sábado, 27. Todos os certificados citavam choques circulatórios como causa da morte e mencionavam outros fatores como febre, desidratação, desnutrição e déficit de crescimento. Mesmo antes do início dos combates, o orfanato não tinha infraestrutura e equipamentos adequados. Ele foi fundado em 1961 e, embora recebesse fundos do governo, dependia de doações e ajuda de instituições de caridade locais e internacionais.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>