A busca dos assassinos do presidente haitiano, Jovenel Moise, se acelerou ontem em Porto Príncipe, capital de um país à beira do caos. A polícia disse que matou quatro "mercenários" que supostamente integravam o grupo que assassinou Moise em sua casa na madrugada de quarta-feira. Outros nove suspeitos, que seriam estrangeiros, foram presos.
Um dos detidos, James Solages, é americano de origem haitiana, revelou o ministro de Assuntos Eleitorais, Mathias Pierre. O Departamento de Estado, sem confirmar a prisão de um americano, anunciou que ajudará nas investigações.
"Já temos os autores físicos e estamos procurando os autores intelectuais do magnicídio", disse ontem o chefe da Polícia Nacional, León Charles.
À pergunta sobre quem foi o responsável pelo assassinato, somam-se as referentes ao futuro do Haiti e quem está realmente no poder. Dois homens disputam o comando do país de 11 milhões de habitantes. O premiê Claude Joseph diz que está no controle, mas Moise havia nomeado um substituto para ele na segunda-feira. A oposição acusa Joseph de tomar o poder. No entanto, a enviada da ONU para o Haiti disse que Joseph representa a autoridade responsável, pois Ariel Henry não havia prestado juramento, citando artigo da Constituição haitiana.
O assassinato do presidente talvez seja a maior consequência da escalada de violência que afeta o país desde 2018. Em 1º de julho, o Conselho de Segurança da ONU divulgou um documento relatando preocupação com a deterioração política, de segurança e humanitária no país e pedindo ao governo que assumisse a responsabilidade da situação.
A base da declaração foi um documento do Escritório da ONU no Haiti mostrando o aumento de massacres, homicídios, sequestros e roubos desde 2018. Moradores de Porto Príncipe contam que a presença das gangues nas ruas aumentou muito nos últimos dois anos, principalmente pela crescente desigualdade social.
"A existência dessas quadrilhas é de conhecimento público, viraram uma realidade diária no país. Com a deterioração da situação social e a grande pobreza – temos quase 5 milhões de habitantes em insegurança alimentar -, o domínio dessas gangues se tornou muito grande", conta o embaixador do Brasil no Haiti, Marcelo Baumbach, ao <b>Estadão</b>. "Mas muito pouco pode ser feito porque os recursos do governo haitiano são muito limitados. Isso causa atraso em pagamento de policiais, obtenção de equipamento e assim por diante."
Desde o ano passado, o InSight Crime, grupo de estudo que monitora o crime organizado na América Latina, tem publicado relatórios sobre a atividade dessas gangues. "Jimmy Chérizier, conhecido como Barbecue, foi implicado em um massacre pela primeira vez em novembro de 2017, enquanto era policial no país caribenho. O que começou como uma operação contra as gangues se tornou uma execução extrajudicial de 14 civis perto de Porto Príncipe", disse o grupo em julho de 2020.
Um ano depois, Chérizier esteve envolvido no massacre conhecido como La Saline, quando 71 civis foram mortos. Apenas em dezembro de 2018, Chérizier foi expulso da polícia e, então, se tornou a mente por trás da aliança de ao menos nove gangues "G9 an Fanmi" (G9 e Família).
"Elas (gangues) parecem controlar Porto Príncipe agora e constantemente há confrontos entre si. Na maioria das vezes, roubam cargas de caminhões e sequestram pessoas. Ouvimos rumores sobre quem faz parte desses grupos, mas nunca soubemos de nada concreto", diz ao <b>Estadão</b> Philippe Roy, haitiano que trabalha em uma loja de aluguel de carros.
Na quarta-feira, as ruas de Porto Príncipe receberam maior policiamento e muitos comércios foram fechados. O premiê Joseph decretou estado de emergência e muitos haitianos não saíram de casa. "Francamente, não sei mais o que pode acontecer. Estamos tentando levantar a cabeça e entender o que houve. Não esperávamos esse desdobramento", diz Roy, ao explicar que já se acostumou a ver os crimes sem solução no país.
"Os assassinatos estão ficando muito graves. Na semana passada, 20 pessoas foram assassinadas. Já morreram ativistas, jornalistas… no ano passado um advogado proeminente aqui foi morto e fica tudo por isso mesmo, ninguém descobre quem cometeu os crimes", afirma Baumbach.
<b>Ligações</b>
Segundo as investigações do InSight Crime, a aliança G9 tinha relações fortes com o governo de Moise. "Os líderes das gangues estão aparentemente livres de perseguições desde que ajudem a manter a paz nos bairros que controlam. Em troca, o governo Moise encontrou nesses grupos soldados leais para acabar com a insegurança, reprimindo as vozes da oposição e conseguindo apoio político", diz o relatório de 2020 do grupo de estudo.
O apoio das gangues se tornou crucial para um presidente que enfrentava protestos populares. "O povo haitiano vive com medo de gangues e a violência prevalece no país. O governo tem pouco apoio popular e é acusado de ter relações com muitas dessas gangues, assim como grupos opositores e alguns dos maiores empresários do país", explicou ao <b>Estadão</b> o professor de Relações Internacionais e referência em Haiti da Universidade George Washington, Robert Maguire.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>