O conflito entre a polícia israelense e manifestantes palestinos em Jerusalém se espalhou ontem para outras partes da região. Militantes islâmicos dispararam foguetes da Faixa de Gaza contra Israel, que respondeu com ataques aéreos. Segundo o Hamas, grupo palestino que governa Gaza, 20 pessoas morreram, incluindo 9 crianças. O fogo cruzado se intensificou logo pela manhã, após uma blitz policial na mesquita de Al-Aqsa, um dos locais mais sagrados do Islã, que deixou centenas de feridos.
O mais recente conflito é movido por diferentes fatores. Primeiro, a decisão de expulsar três famílias palestinas do bairro de Sheikh Jarrah, na parte oriental de Jerusalém, para devolver as casas para judeus que eram proprietários dos terrenos antes da Guerra Árabe-Israelense, de 1948.
No início do ano, um tribunal deu ganho de causa aos colonos judeus. No domingo, a Suprema Corte, que deveria decidir a questão, adiou o julgamento, que deve ser remarcado em 30 dias. Desde sexta-feira, mais de centenas pessoas ficaram feridas em confrontos entre manifestantes palestinos e policiais israelenses em Jerusalém.
Outro ponto de tensão é a celebração do Dia de Jerusalém, aniversário da ocupação israelense da parte oriental da cidade, após a Guerra dos Seis Dias, em 1967 – uma anexação que a maioria dos países do mundo não reconhece. Grupos de extrema direita de Israel marcaram uma marcha nacionalista, que estava programada para cruzar ontem o Bairro Muçulmano, na Cidade Velha, o que foi considerado uma provocação.
Em uma tentativa de evitar mais confrontos, autoridades israelenses mudaram de última hora a rota planejada da marcha, mas a medida não conteve a escalada dos protestos, que se espalharam rapidamente para outras partes do país.
Ao clima de tensão foi potencializado também pelo mês sagrado dos muçulmanos, o Ramadã, que começou em 12 de abril e termina hoje – um período normalmente marcado por protestos. Durante a manhã de ontem, mais de 300 pessoas ficaram feridas quando a polícia israelense invadiu a Esplanada das Mesquitas. Nove policiais foram feridos, segundo Israel.
A Autoridade Palestina denunciou a blitz policial como uma "agressão bárbara" por parte das forças israelenses. Em Gaza, o Hamas emitiu um ultimato, exigindo que Israel retirasse a polícia da mesquita de Al-Aqsa até as 18 horas (12 horas em Brasília). Vencido o prazo, os foguetes começaram a voar na direção do território israelense – causando danos em casas e plantações.
A resposta de Israel foi rápida. O primeiro-ministro do país, Binyamin Netanyahu, disse que "terroristas" passaram do limite ao promover os disparos. "Israel responderá com muita força. Não toleraremos ataques em nosso território, em nossa capital, a nossos cidadãos e aos nossos soldados. Quem nos atacar, pagará um preço alto", afirmou Netanyahu.
A violência uniu governo e opositores, normalmente críticos ao premiê. "O terrorismo palestino deve ser combatido com punho de ferro", disse o ministro da Defesa, Benny Gantz. Yair Lapid, desafeto de Netanyahu e incumbido de negociar uma nova coalizão, pediu uma "ação firme e decisiva para restaurar o pode de dissuasão de Israel".
O Hamas confirmou ter lançado mais de 100 foguetes contra Israel. Autoridades palestinas em Gaza informaram que 65 pessoas ficaram feridas nos ataques aéreos. O saldo transformou o dia de ontem no mais violento desde 2017, disparando o alarme em várias capitais do mundo.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que os ataques com foguetes de Gaza contra Israel deveriam parar "imediatamente" e pediu aos dois lados que tomem medidas para diminuir a situação. "Todos precisam diminuir a escalada, reduzir as tensões, tomar medidas práticas para acalmar as coisas", afirmou o chefe da diplomacia americana.
O Conselho de Segurança da ONU, a pedido da Tunísia, foi convocado para um reunião de emergência para discutir a situação em Jerusalém. A pressão internacional para que Israel cancele os despejos das famílias palestinas de Sheikh Jarrah vem também de Canadá, África do Sul, Rússia, Turquia, Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes e Bahrein. / NYT, WP, REUTERS e AFP
<b>Nova geração pode repetir os pais</b>
Quando a família de Samira Dajani se mudou para sua primeira casa de verdade, em 1956, após anos como refugiada, seu pai plantou árvores no jardim, dando-lhes o nome de cada um de seus seis filhos. Hoje, dois pinheiros imponentes com os nomes de Mousa e Daoud vigiam a entrada do jardim onde todos brincaram quando crianças. A buganvília rosa sobe por um arco de ferro em um caminho que passa por amendoeiras, laranjeiras e limoeiros até sua modesta casa de pedra. "A árvore Samira não tem folhas", diz ela, apontando para o cipreste que leva seu nome. "Mas as raízes são fortes."
Ela e o marido, que vivem sozinhos após seus filhos adultos terem saído de casa, podem ter de deixar tudo para trás em 1.º de agosto. É quando Israel deve expulsá-los após uma batalha legal de décadas entre colonos judeus contra eles e seus vizinhos. Os Dajanis são uma das várias famílias palestinas que enfrentam um despejo iminente no bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental.
Israel diz que a situação na região é uma disputa imobiliária privada, que os palestinos aproveitaram para incitar a violência. Grupos de colonos dizem que Sheikh Jarrah era propriedade de judeus antes da guerra de 1948, em torno da criação de Israel. A lei israelense permite que os judeus recuperem essas terras, mas impede que os palestinos retomem propriedades que perderam na mesma batalha, mesmo que ainda residam em áreas controladas por Israel.
A maior parte dos 350 mil residentes palestinos de Jerusalém Oriental estão em bairros superlotados, onde há pouco espaço para construir. Eles dizem que o custo e a dificuldade de obter licenças os força a construir ilegalmente ou se mudar para a Cisjordânia ocupada, onde correm o risco de perder sua residência em Jerusalém. Israelenses estimam que, das 40 mil casas em bairros palestinos, metade foi construída sem autorização.
Israel está sob pressão internacional, com os EUA e a União Europeia expressando preocupação. Grupos de direitos humanos dizem que o governo pode suspender ou adiar os despejos, se quiser. Nesse ínterim, Samira plantou suas flores em pequenos vasos que poderá levar consigo, caso seja forçada a deixar sua casa em agosto. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>