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Em nenhum lugar a democracia está se consolidando, diz Lourival SantAnna

A quase ausência nos últimos anos de golpes militares clássicos, como o de Mianmar em fevereiro, não indica um avanço da democracia no mundo, afirma o jornalista e escritor Lourival SantAnna. "Em nenhum lugar a democracia está se consolidando", diz o autor do livro O Estado da Democracia, que reúne os principais artigos sobre o tema nos cinco anos de sua coluna no <b>Estadão</b> e será tema de live na TV Estadão no dia 14.

A ameaça, agora, vem pelo o que define como "outra forma de autoritarismo", hábil em capturar e desmantelar instituições e normalizar comportamentos públicos até então considerados inaceitáveis.

<b>O senhor avalia que a democracia tem seu maior teste desde o fim da Guerra Fria. Quem são os grandes responsáveis por isso?</b>

Do ponto de vista do Ocidente, é um processo que começou lá atrás. Em 1994, na eleição de meio de mandato nos EUA, o presidente Bill Clinton parecia imbatível. Vendo isso, (o republicano) Newt Gingrich desenhou uma nova estratégia, de trazer questões morais para o centro do debate político. Os republicanos ganharam e recuperaram a maioria na Câmara. A estratégia foi um sucesso. Mas, com Trump, ela se voltou contra o próprio Partido Republicano. O populismo, inventado na Argentina, por Perón, e copiado aqui no Brasil por Vargas, é um fenômeno latino-americano. Ele havia sido substituído pelas ditaduras militares, e depois por governos mais tecnocratas. Mas, com Trump, essa onda ressurgiu na América do Sul. E na Europa a questão da imigração facilitou a ascensão do populismo de direita. Polônia e Hungria não tinham tradição democrática e foram capturadas por líderes de direita populistas.

<b>Qual a responsabilidade das plataformas digitais nisso?</b>

Os posts que são apresentados para nós são aqueles que mais se parecem com o que pensamos. O diálogo e a negociação vão se enfraquecendo, porque não temos contato com argumentos dos quais discordamos. O objetivo das plataformas é o engajamento. O engajamento é emocional. E as duas emoções mais potentes para o engajamento são a raiva e o medo. É por isso que as teorias conspiratórias de que há alguém tentando nos destruir têm tanto êxito. Elas provocam medo e raiva, a ponto de um grupo de pessoas invadir o Capitólio, na maior democracia do mundo.

<b>Como avalia as ações de big techs para conter esses danos?</b>

Está engatinhando, sendo experimentado. Embora não existam leis que responsabilizem juridicamente as plataformas, há uma responsabilização por parte da opinião pública.

<b>A pandemia testou governos populistas. Como se saíram?</b>

O populismo passa por cima não só da representação no Congresso, mas também do conhecimento técnico e científico e do jornalismo. Dependendo da situação, também da Justiça, da Suprema Corte. Essas quatro instâncias são os grandes obstáculos ao poder ilimitado buscado pelo populismo. É por isso que nos lugares governados por populistas houve negacionismo.

<b>Qual será o papel da China no pós-pandemia, e o que isso significa para a democracia?</b>

Vi uma mudança importante a partir da eleição de Donald Trump. Antes, os analistas, professores, que estão ali (na China) para reforçar o pensamento do regime chinês, tinham a posição de que a China era um país único, singular. Depois da eleição, a posição começou a ser de "olha, a democracia ocidental não parece estar indo muito bem, não parece ser um sistema tão perfeito como vocês diziam, e olha, temos aqui um sistema que funciona muito bem".

<b>A América Latina passa também por seu maior momento de estresse desde a Guerra Fria?</b>

Sim, é um fenômeno mundial. Em nenhum lugar a democracia está se consolidando. Em todos os lugares ela está se deteriorando. Aqui, o principal componente também é o populismo. Os partidos estão muito enfraquecidos. O surgimento de outsiders é o grande fenômeno. Há uma repulsa contra a política tradicional, e a busca desesperada por novas soluções, novos líderes. Há um grande desencanto, e há bons motivos para isso. A política tradicional realmente foi muito destrutiva. E esses sentimentos de pessoas que se sentem excluídas pela globalização, pela democracia, pela própria justiça, são sentimentos muito legítimos. Nada é frívolo, é tudo muito sério. A democracia se mostrou incapaz de contemplar, de ter canais para responder a essas frustrações.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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