Estadão

Em Oppenheimer, uma vitória derrotada por suas contradições

Judeu, mulherengo, genial, arrogante, progressista. São vários os adjetivos que poderiam descrever J. Robert Oppenheimer, físico americano que entrou para a história como um dos principais cientistas a desenvolver a bomba atômica que matou mais de 100 mil japoneses em agosto de 1945, no final da Segunda Guerra. Como resumir essa história, com todas suas contradições, em uma tela de cinema? Como dar conta da força de Oppenheimer?

Quem assumiu a tarefa foi Christopher Nolan, cineasta que já assinou projetos diversos como <i>A Origem</i>, <i>Batman: O Cavaleiro das Trevas</i> e <i>Amnésia</i>. Ele se debruçou na densa e longa biografia de Oppenheimer (Oppie, para os íntimos) e repassou boa parte dessa história para <i>Oppenheimer</i>, longa que estreia hoje, 20, nos cinemas ao redor do mundo. Filme complicado, que chega rodeado de desafios.

O primeiro, surgido já antes do lançamento, é compensar o orçamento de mais de US$ 100 milhões. Pouco comparado com <i>Indiana Jones e a Relíquia do Destino</i>, por exemplo, mas muito se analisarmos as plateias de hoje: poucos lançamentos ultrapassam a marca dos US$ 500 milhões – e <i>Oppenheimer</i> tem um complicado desafio: competir pelo dinheiro do tíquete contra <i>Barbie</i> e <i>Missão: Impossível 7</i>.

O segundo desafio, quase tão complicado quanto esse, é traduzir a história de J. Robert Oppenheimer para um filme que não só faça sentido, mas também seja agradável de ver. Quem leu <i>Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano</i>, biografia que inspirou o filme, sabe que não é simples. Para cobrir toda a história, é preciso se desdobrar.

<b>TRÊS EM UM</b>

E é justamente o que Nolan faz ao longo de exatas três horas de projeção. Conta três histórias bem divididas, embora com aquela velha característica do roteirista de repartir o tempo com idas e vindas. São eles: os momentos iniciais de Oppie como físico, explorando possibilidades da física quântica na academia; a direção do Projeto Manhattan, que desenvolveu a bomba; e a inquisição que surge no pós-guerra.

São praticamente três filmes distintos, em que Nolan põe em jogo sua versatilidade. Há o drama de Oppenheimer como um homem que carrega a culpa de ter criado uma arma de destruição em massa; há a tensão, com os testes da primeira bomba; há o filme de tribunal, que atravessa quase toda narrativa enquanto o físico tenta se proteger das acusações de traidor.

Esses diferentes filmes, que habitam uma mesma história, contam com desempenhos bem distintos. A primeira hora, focada em desenvolver a personalidade de Oppenheimer, é a mais densa e mais cansativa.

É um pedaço do filme que também sofre muito por conta da personalidade de Nolan. Ele, que filmou a história em película 70mm para IMAX, se coloca demais na história nesse início, com exagero de cenas entrecortadas, sequências abstratas e decisões narrativas que não agregam exatamente para o que a história está contando. Sofrível.

Depois, o longa encontra seu coração. Nolan foca em construir (e desconstruir) Oppenheimer. Como diz no texto de abertura, é o Prometeu moderno. O homem que roubou o fogo dos deuses e entregou à humanidade.

<b>O HOMEM</b>

<i>Oppenheimer</i> cresce quando Nolan entende a complexidade da trama e vai atrás não de destrinchar um momento da História, mas o homem que a transformou. O drama de Robert (não de Oppenheimer) é mais saboroso que todo o resto. Afinal, é um judeu que, por mais que renegasse sua origem, criou a arma mais poderosa da Segunda Guerra. É brilhante a cena em que o físico vê que sua criação funcionou, mas se questiona: e agora? O que será do mundo, da vida?

Em determinado ponto veio à mente Daniel Plainview, o protagonista de <i>Sangue Negro</i>, drama de Paul Thomas Anderson. É um homem determinado, que vê sua derrota a partir desses seus outros atributos. A loucura chega a partir de seu sucesso, mas também de toda a ideia que Plainview tinha de sua jornada. É, guardadas as devidas proporções, a jornada de Oppenheimer. Um homem dedicado, com ânsia de colocar seu nome na história e ajudar seu país. Mas será esse o caminho?

Cillian Murphy, que interpreta Oppie, não poderia estar melhor: ele entende quem é Oppenheimer e entrega uma atuação consciente de sua complexidade emocional. O mesmo vale para Robert Downey Jr., o intérprete do filantropo e empresário Lewis Strauss: irretocável.

O resto do elenco, com nomes como Emily Blunt, Matt Damon, Kenneth Branagh, Florence Pugh, Casey Affleck e até Rami Malek, se contenta em aparecer no longa sem uma verdadeira profundidade.

Ainda que seja um filme que demora para engrenar e que deve decepcionar parte do público, é um dos filmes mais maduros de Christopher Nolan e uma das apostas para a temporada de premiações em 2024. Um filme difícil, que não se rende aos maneirismos do cinema comercial, e que nos faz perceber que Oppenheimer ainda está entre nós, com uma ameaça visível que nunca quis ser.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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