O mercado doméstico de câmbio experimentou mais um dia marcado por alta instabilidade e liquidez reduzida. Após muitas trocas de sinal pela manhã e ao longo da tarde, o dólar se firmou em alta nas duas últimas horas de pregão, na esteira da derrocada das bolsas em Nova York e da aceleração dos ganhos da moeda americana no exterior. A divisa chegou até a tocar pontualmente o patamar de R$ 4,92 nos minutos finais da sessão, quanto registrou máxima a R$ 4,9201. No fim do dia, o dólar era cotado a 4,9156, em alta de 0,52%.
Segundo operadores, fluxo de recursos pontuais e ajustes no mercado futuro amenizaram parte das pressões externas sobre a formação da taxa de câmbio, levando o real até a operar na contramão de seus pares em diversos momentos do pregão. O resultado abaixo do esperado do IPCA de maio desautorizou apostas em taxa Selic na faixa de 14%, mas a perspectiva majoritária é de duas altas de 0,50 ponto porcentual da taxa básica, hoje em 12,75%. Isso mantém a atratividade da renda fixa local e torna custosas apostas mais contundentes contra a moeda brasileira.
"O quadro lá fora é muito ruim, com o problema da inflação e perda de força do crescimento. O Fed talvez tenha que aumentar os juros com mais rapidez. O BCE já falou mais duro hoje. As expectativas estão se deteriorando e todo mundo corre para se proteger no dólar", afirma o gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo, que atribui a queda pontual da moeda americana por aqui à entrada de exportadores pela manhã e a perspectivas melhores para a economia brasileira, com retomada do crescimento e sinais de que o pico da inflação já passou. "A liquidez está mais moderada e com piora mais forte do sentimento no fim do dia, o dólar acabou acompanhando o exterior".
Na mesma linha, o economista-chefe da Frente Corretora, Fabrizio Velloni, nota que há um movimento forte de exportadores, dado que os preços das commodities se recuperaram recentemente com as notícias de relaxamento das medidas restritivas na China, revertidas parcialmente hoje. "Sem dúvida, o exportador está atuando com força, até no mercado futuro. Isso faz com que o real às vezes se descole do movimento do dólar lá fora", diz Velloni.
No exterior, investidores se acautelaram em meio aos temores de estagflação. O Banco Central Europeu (BCE) anunciou hoje manutenção da taxa de juros, mas acenou com alta em julho e setembro. Houve também montagem de posições defensivas à espera da divulgação, amanhã, do índice de preços ao consumidor (CPI) de maio nos Estados Unidos. Um número acima do esperado pode mexer com as expectativas para o ritmo e a intensidade do ajuste da política monetária pelo Federal Reserve, que anuncia a nova taxa básica dos EUA na quarta-feira (15).
"A expectativa de inflação anualizada em 8% nos Estados Unidos corrobora o prolongamento da alta de juros pelo Fed no segundo semestre, o que pressiona o dólar para cima no exterior", afirma o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho.
O índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis divisas fortes – trabalhou em alta firme e registrou máximas no fim da tarde, acima da linha de 103,200 pontos. A moeda americana também avançou em bloco frente a divisas emergentes e de países exportadores de commodities, com exceção da lira turca e do rublo russo. Anúncio de novas medidas de restrição em áreas de Xangai, na China, avivam receios de novos problemas nas cadeias de suprimentos globais.
O tom duro do BCE não foi capaz de dar sustentação ao euro, já que há risco de desaceleração mais forte da atividade em cenário de inflação ainda elevada. A autoridade revisou para cima projeções de inflação, que deve se manter acima da meta até 2024, e cortou as estimativas para o PIB da região neste e no próximo ano. A presidente do BCE, Christiane Lagarde, não descartou a possibilidade de um aumento de 50 pontos-base na taxa de juros em setembro, mas ponderou que, em razão da incerteza provocada pela guerra da Ucrânia, manterá a "opcionalidade, flexibilidade, dependências de dados e gradualismo" na condução da política monetária.
Por aqui, o IPCA de maio subiu 0,47%, desaceleração em relação a abril (1,06%) e abaixo da mediana de projeções Broadcast (0,60%). O IPCA acumula agora alta de 4,78% no ano e de 11,73% em 12 meses. Apesar da perda de fôlego do índice cheio, analistas ponderaram que a dinâmica inflacionária ainda preocupa. Para o banco Modal, por exemplo, a composição qualitativa do índice é ruim e corrobora a perspectiva de continuidade do aperto monetário, com pelos menos duas altas da taxa Selic em 0,50 ponto porcentual, para 13,75% ao ano. Já o Bank of America diz que o pico da inflação parece ter ficado para trás e vê fim do ciclo de aperto com alta final da Selic em 0,50 ponto porcentual na reunião do Copom na semana que vem, para 13,25% ao ano.