Aos 29 anos, Clarice Falcão chega ao terceiro disco da carreira, “Tem Conserto”, que acaba de ser lançado nas plataformas digitais, e talvez esse seja o trabalho em que ela mais tenha se exposto. É um disco muito pessoal, intimista, introspectivo, em que a cantora e compositora revela suas fragilidades, seus anseios, sua psique. Ao longo de nove faixas autorais, Clarice traça uma narrativa inspirada nas próprias experiências com ansiedade e depressão. E, pela primeira vez, como ela mesma diz, sem usar o artifício do humor, tão enraizado em seus álbuns anteriores e também em seus trabalhos como atriz.
“Acho que existem alguns assuntos que a gente demora um pouco para organizar na cabeça. Comecei a compor e vi que estava indo para o mesmo assunto”, diz Clarice, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, por telefone, do Rio. “Ansiedade, depressão, fiquei com vontade de falar sobre isso.” Sua primeira crise ocorreu quando ela tinha 16, 17 anos. “Isso vem de família, de gerações”, aponta. Quando isso a atingiu também, foi uma tragédia, mas a família já tinha experiência e sabia bem como lhe dar suporte. “Vamos dar um jeito, levar para terapia, psiquiatra”, diziam a ela.
Clarice nunca falou tão abertamente sobre o assunto. Talvez ela já abordasse algo do gênero em canções como Oitavo Andar (Uma Canção Sobre Amor), de seu disco de estreia, Monomania (2013): “Quando eu te vi fechar a porta eu pensei em me atirar pela janela do 8.º andar/ Onde a dona Maria mora, porque ela me adora e eu sempre posso entrar”, diz no começo da letra. “Nela, o eu lírico é um pouco desequilibrado, mas não tão obviamente. Eu fazia com mais humor”, explica Clarice.
Para ela, a proximidade dos 30 anos, que serão completados em outubro, tem uma parcela importante em como as coisas se encaminharam para esse novo trabalho. “Estou com 29 anos, comecei a compor com 28 para esse disco. Quando você se aproxima dos 30, tem entendimento que não tinha antes. Talvez também uma coragem de me expor. Nos outros discos, eu me protegia atrás do humor, do exagero, e agora tenho de ser a mais honesta possível.”
Com produção de Lucas de Paiva, “Tem Conserto” carrega pequenas histórias dentro do trabalho, como define Clarice. “Eu queria fazer um disco que tivesse esses polos.” O álbum começa com Minha Cabeça, que desencadeia versos angustiantes. “Minha cabeça repete/ As mesmas coisas/Repete as mesmas coisas/Até não ter mais coisa”, canta ela, melancólica, em um trecho. Mal Pra Saúde muda a frequência das coisas, numa embalagem sonora mais oitentista, meio à la New Order – apesar de falar de um amor que não faz bem para a saúde: “Não sou só eu que tô falando/ De dez especialistas acho que nenhum te recomendaria”.
As canções “Morrer Tanto” e “Esvaziou” voltam a ganhar um tom mais triste, em que ela fala de depressão – e de quem consegue seguir em frente e de quem deixou um vazio após partir. É o tema também de Horizontalmente, só que aqui o “Hoje eu não saio dessa cama nem a pau” da letra vai no caminho oposto da sonoridade de pista da canção. Dia D também carrega esse clima dançante. E, depois das faixas CDJ e Só + 6, a faixa-título Tem Conserto, última que Clarice compôs – e que, não por acaso, fecha o disco -, leva para um lugar mais esperançoso: “Tô quebrada mas tem conserto/Não parece mas tem conserto/Tô capenga mas tem conserto/Tá difícil mas tem conserto”.
Série da Globo
Além dos assuntos, a atmosfera eletrônica que também atravessa todo o disco é outro fator que respalda o conceito do disco Tem Conserto. Daí a presença importante de Lucas de Paiva, responsável ainda pelo teclado e pelas programações das faixas. “Conheço a cena eletrônica. Era muito o que eu estava ouvindo”, comenta Clarice. Foi quase um ano dedicado ao trabalho, com uma estrutura simples, enxuta. “Ele foi sendo feito aos poucos, na minha casa, com computador, alguns teclados. A gente enchendo a cara”, conta ela. “E isso é muito fascinante, é uma coisa punk mesmo.”
E justamente por causa dos temas abordados no trabalho, a compositora não ficou com receio que o novo trabalho virasse um disco triste, melancólico? “Tive esse preocupação. Mas tem música para levantar, como Dia D”, responde. “Mas não senti que o disco estava completo até fazer Tem Conserto. É mais esperançosa, para não virar uma ode à tristeza e se conseguir conviver mais pacificamente com isso tudo.”
Também atriz e humorista, Clarice Falcão pode ser vista atualmente na nova série da Globo, “Shippados”, de Fernanda Young e Alexandre Machado, disponível na Globoplay. Estrelada por Tatá Werneck e Eduardo Sterblitch, trata de relacionamentos em tempos de redes sociais e aplicativos. Clarice interpreta Brita, que com Valdir (Luis Lobianco) forma um casal nudista, que divide o apartamento com Enzo (Sterblitch).
“Ela é muito carente, quer muito ser amiga da personagem da Tatá”, diz Clarice. “Foi um desafio também, uma outra forma de exposição. Fico pelada quase toda a série (risos).” É o momento também de ela se reconectar com o humor. “Isso é muito da minha família. O humor na forma de eu enxergar o mundo também – apesar das tragédias.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
CLARICE FALCÃO
Tem Conserto
Independente; plataformas digitais