Estadão

Embarcadas em plataformas, elas enfrentam barreiras

A geóloga Sylvia Anjos tinha apenas 21 anos quando derrubou barreiras e conseguiu ser a primeira mulher a embarcar em uma plataforma de petróleo no Brasil. A conquista veio em 1979, só 26 anos depois da criação da Petrobras e, ainda assim, com ressalvas. Sem permissão para dormir a bordo, ela ia e voltava todos os dias para dormir no hotel, à diferença dos colegas, que tinham quartos próprios no mar. "Mas eu consegui", diz, orgulhosa.

O trabalho em navios ou plataformas fixas é difícil por si só, com escalas de 14 dias direto no mar e outros 21 em casa. Para além do isolamento e da saudade da família, as mulheres que se aventuram nesse universo enfrentaram problemas adicionais, que vão desde a falta de banheiros, roupas e calçados adequados até casos de assédio moral e sexual.

Embarcada com mais de 100 homens em uma plataforma, a técnica de segurança Jessica Louzada conta que chegou a dormir com uma chave de fenda embaixo do travesseiro após receber telefonemas perturbadores tarde da noite. "O homem falava: Eu sei que você está sozinha. Ao ouvir isso, você pensa: você já é minoria, já conhece a postura das lideranças. É muito mais fácil falar tira essa menina daqui, para não dar trabalho. Aí a gente se calava, né?", conta, ao lembrar que, por não haver internet nas plataformas, a ligação só poderia ser interna.

<b>PROBLEMA GLOBAL</b>

A Petrobras, de um efetivo de 6.480 pessoas nas plataformas, tem apenas 271 mulheres nas operações em mar. Nas outras empresas, o cenário não é tão diferente. A Organização Marítima Internacional (OIM) contabiliza que só 2% da força de trabalho marítima e portuária do planeta é feminina.

A presença de mais mulheres nas plataformas é fundamental para romper as barreiras, diz Bárbara Bezerra, criadora do grupo #pormaismulheresabordo. A ideia é postar fotos de mulheres quando estão embarcando, para incentivar outras presenças femininas.

Na Enauta, petroleira independente criada em 2019, Josiane Gagno, engenheira de Produção e Fiscal a bordo, não sente tantos problemas de misoginia como no passado, mas assim como as colegas da Petrobras acha que a infraestrutura das plataformas ainda não está pronta para receber mulheres.

"Foi o primeiro perrengue que eu passei. Fui ao banheiro da plataforma, e a porta não fechava, tive de ir correndo para o meu quarto. Realmente a gente ainda precisa um pouco de melhoria nesse ponto", diz.

Para a diretora executiva do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Fernanda Delgado, o caminho da mudança já é conhecido: campanhas de conscientização, canais de denúncia e protocolos de proteção às funcionárias. "Igualdade, equidade e inclusão não podem ser apenas um cartaz bonito na parede", diz.

<b>Petroleiras tentam reduzir distorções</b>

Algumas iniciativas têm sido tomadas pelas petroleiras para tentar reduzir as dificuldades enfrentadas pelas mulheres embarcadas em plataformas. A Shell definiu há um ano que até 2030 o universo de contratados terá de ser metade de mulheres. Um ano depois, esse porcentual já chegou a 45%, mas com avanços em terra.

A empresa lançou a iniciativa "Amó", palavra que significa diversidade em tupi-guarani, para transportar a participação feminina para as atividades offshore. Na petroleira Enauta, 40% dos profissionais são mulheres e participam do 1.º Programa de Mentoria de Profissionais Mulheres da Indústria de O&G, iniciativa do Comitê de Diversidade do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) com a consultoria global Lee Hecht Harrison (LHH).

Já a Petrobras realizou em 2006 sua primeira pesquisa de gênero, que baliza ações adotadas ano a ano. A estatal ressalta que as novas plataformas têm banheiros femininos. Sobre vestimentas, diz que já oferece equipamento adequado. Sobre o assédio, além de canal de denúncia, realiza treinamentos e capacitações sobre diversidade, equidade e inclusão e sobre prevenção e combate ao assédio moral e sexual no trabalho. "Quando ocorrem denúncias, as apurações de assédio moral e sexual são realizadas por equipes experientes e qualificadas. Após concluídas, as apurações são encaminhadas ao Comitê de Integridade, independente e totalmente imparcial", diz.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

Posso ajudar?