Mundo das Palavras

Emoção de mulher

– Por que você chorou? 
Perguntei, com delicadeza, à Cláudia, minha companheira, quando nos sentamos para jantar, no último sábado. Referia-me às emoções vividas, doze horas antes, na festa organizada pela escola das filhas dela, minhas enteadas Ketlen e Kamila, em homenagem às mães. 
Instalada à mesa diante de mim, Cláudia respondeu, laconicamente: 
– Porque não choramos sempre por tristeza. 
Suas meninas são gêmeas, tem 10 anos de idade. O irmão, Daniel, é dois anos mais velho. 
Percebi que Cláudia continuava pensando na pergunta. Provoquei-a, então, para que falasse mais: 
– Foi autopiedade? Você acredita que choramos sempre por nós mesmos? 
– Não!
Ela disse isto, cortante, com segurança. Mas parecia carecer de mais tempo para ter consciência clara do que a emocionara. 
Os labirintos da subjetividade humana sempre me encantaram. Por isto estava estimulando Cláudia a falar. Contudo, cercado, há duas décadas, por mulheres de três gerações diferentes – a da minha mãe, a das amigas, e, a das filhas – nem precisava ter lido os livros de Simone de Beauvoir para saber o quanto elas se avizinham daquilo que há de mais misterioso nos seres humanos. Exatamente porque têm o poder de gerá-los. Um poder – diz o psicanalista Paulo Bacha – que enlouquece de inveja e ciúme os homens. Lançando-os, nas mais absurdas aventuras, em céus e mares, em busca de algo que os equipare a elas.  
Mais tarde, ainda continuava atingido pela inquietação da curiosidade. Mencionei, de novo, para Cláudia, aquela a suposição: choro expressa sempre autocompaixão. Ela, enfim, respondeu com clareza: 
– Minha emoção, Coimbra, veio da lembrança de que aquelas meninas foram, antes, apenas dois pedacinhos de mim.
Decidi, imediatamente: vou escrever, de novo, sobre estas emoções. Este assunto, as emoções envolvidas maternidade – tão mal compreendido, – me levara, há algum tempo, a produzir uma série de textos sobre presas políticas que, torturadas, foram salvas da loucura pela geração de filhos na cadeia. 
Mas precisava, agora, obter o consentimento de minha parceira. Ia expor publicamente um momento privado do nosso convívio. 
– Você vai mostrar minha imagem, emocionada? 
Cláudia quis saber, quando apresentei o que tinha produzido.  Confirmei, acrescentando: 
– Se você concordar. 
Havia resistência nela. Que, no entanto, foi reduzindo-se, aos poucos. Porque, era óbvio, tive a sorte de produzir um texto que a sensibilizara. Ele ativara sua memória. Cláudia começou a recuperar detalhes esquecidos da criação das duas filhas. E os narrou para mim. Com animação e prazer.     
 

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