Um empresário de 38 anos foi preso em flagrante por tentativa de homicídio na sexta-feira passada, dia 26, após atirar em um homem acusado de tentar roubar seu relógio na região do Campo Belo, na zona sul de São Paulo. No momento do disparo, que foi antecedido por uma perseguição, o suspeito já havia sido alvejado na perna por um policial e estava rendido no chão. Conforme professores de Direito ouvidos pelo <b>Estadão</b>, as informações iniciais do caso indicam que o acontecimento não deve ser enquadrado como legítima defesa.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), um policial civil foi informado que uma pessoa armada havia tentado roubar o relógio de um homem em um posto de gasolina no Campo Belo. O agente de segurança, então, localizou o suspeito, que tem 40 anos, e solicitou a parada. O homem, que portava o que depois se descobriu ser um simulacro de arma de fogo, tentou fugir e o policial interveio com um tiro na perna do suspeito.
Em seguida, o empresário chegou ao local por trás do agente de polícia e também atirou contra o homem – não foi especificado em qual parte do corpo -, embora o suspeito já estivesse rendido no chão. Depois, desferiu ainda um chute na cabeça do suspeito, como mostram imagens de câmeras de segurança da região.
Na avaliação do especialista em Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Marcos Aurélio Florêncio, as informações iniciais divulgadas pela polícia indicam que, em tese, não é possível enquadrar o caso como legítima defesa, mesmo o disparo tendo ocorrido como consequência a uma tentativa de roubo.
Um primeiro motivo é porque há um lapso temporal entre o momento inicial e o rendimento do suspeito, que não estaria oferecendo mais risco do disparo. "A vítima chega ao local com o suposto criminoso já rendido e, a partir daí, há um disparo de arma de fogo. Logo, a conclusão que se tira é que não há legítima defesa nesse caso concreto."
De acordo com o Código Penal, relembra o professor, "entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem". "Se a injusta agressão já passou, não estamos diante de legítima defesa e nem do excesso em legítima defesa", reforça.
O fato de ter sido um policial que neutralizou o suspeito também muda a situação, já que havia uma autoridade de segurança pública presente e o tiro não se deu em continuidade a uma eventual neutralização feita pelo próprio empresário. "Se fosse o empresário que tivesse neutralizado e depois dado o tiro, isso poderia ser caracterizado como excesso (de legítima defesa), porque teria sido logo depois da injusta provocação da vítima, da violência", explica o professor.
O entendimento é similar ao do professor doutor em Processo Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Claudio Langroiva. Ele reforça que as informações divulgadas até o momento não permitem enquadrar o caso como legítima defesa e destaca que o uso da força, quando não é mais necessário usá-la, passa a gerar responsabilidade criminal.
O professor entende que o caso de Campo Belo poderia ser classificado como legítima defesa se o empresário, vítima de tentativa de roubo, tivesse efetuado um disparo quando foi abordado no posto de gasolina. "A partir do momento em que essa agressão deixou de ser feita, acaba o momento de poder usar a legítima defesa como um elemento para não ser responsabilizado por seus atos", explica.
"A legítima defesa pressupõe que a reação à injusta agressão seja imediata", explica. Quando o assaltante foge, continua, a vítima ainda pode ir atrás dele, mas os meios que ela pode imprimir durante essa ação passam a ser mais limitados.
Entre os fatos que afastam a situação no Campo Belo de uma classificação como legítima defesa, o professor destaca: a chegada de uma autoridade policial, a intervenção dessa autoridade policial e, por último, o fato de essa intervenção ter sido eficaz.
Langroiva reforça que a importância da legítima defesa é permitir às pessoas se defenderem do que está acontecendo. "Ao mesmo tempo, ela não pode ser usada para justificar um ataque ou uma agressão", aponta ele, lembrando também que a proposta deve ser proporcional ao ataque. "Se uma pessoa está te dando socos, você não pode reagir em legítima defesa atirando nela à queima-roupa."
<b>Próximos passos</b>
Como próximos passos, os professores de Direito ouvidos pelo <b>Estadão</b> explicam que os investigadores da Polícia Civil devem coletar informações sobre o caso e depois passar o material para o Ministério Público. "O promotor vai analisar as provas para ver se está diante de uma tentativa de homicídio e de uma lesão corporal consumada, por exemplo", explica Langroiva.
Depois, a depender do entendimento, é feita a denúncia. O juiz vai analisar e, em seguida, receber ou não. Nesse momento, pode ser instaurada uma ação penal. "Se a denúncia que tiver sido feita for de lesão corporal, vai ser em juízo simples. Se denunciar por tentativa de homicídio, é pelo Tribunal do Júri", explica o professor, que reforça que o caso do suspeito de roubo deve correr de forma paralela.
O professor Marcos Florêncio prevê ainda outros desfechos possíveis. "Se o Ministério Público entender que é uma legítima defesa, o processo é arquivado. Se for um entendimento de excesso de legítima defesa, depende do caso concreto", explica ele.
O especialista reforça que, em uma eventual condenação, há, por fim, circunstâncias que podem atenuar a avaliação sobre o empresário. "Existe um homicídio chamado homicídio privilegiado em que a pessoa atua após injusta provocação da vítima ou movido por uma violenta emoção. Não há dúvidas que uma pessoa que foi alvo de uma tentativa de roubo, ou de roubo consumado, está, nas circunstâncias, sobre uma violenta emoção."
Conforme a Secretaria de Segurança Pública, o caso foi registrado como legítima defesa, lesão corporal, localização/apreensão de objeto, posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, tentativa de roubo e tentativa de homicídio pelo 27º Distrito Policial (Campo Belo). Duas armas foram apreendidas, bem como um simulacro, um relógio de pulso e um celular.
O suspeito de tentativa de roubo foi preso em flagrante e foi socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) até o Hospital Saboya, onde ficou internado sob escolta. A gravidade do quadro de saúde não foi informada.
Já o empresário, que alegou ter licença de arma de CACs (colecionador, atirador esportivo e/ou caçadores), foi preso em flagrante por tentativa de homicídio. O número de CACs cresceu dez vezes nos últimos cinco anos, conforme mostrou o Anuário da Segurança Pública. Em seguida, estava prevista a realização de uma audiência de custódia para determinar se o empresário responderia em liberdade. Procurado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) ainda não retornou sobre o desfecho.