Proprietário da WM Paulista Soluções em Serviços, Wagner Elias da Silva reduziu o quadro de pessoal quase à metade na pandemia. Dos 400 postos pré-covid, restaram 230. Os cortes foram a alternativa encontrada para resistir à queda de 40% na receita em 2020. Especializada na terceirização de serviços de portaria, limpeza e recepção em condomínios da capital paulista, a WM sofreu com cancelamentos e renegociações de contratos.
Assim como outras empresas de pequeno porte – com receita bruta anual entre R$ 360 mil e R$ 4,8 milhões – a WR recorreu aos bancos. Segundo Silva, foi possível financiar a folha de pagamentos em uma das três instituições com que se relaciona, mas a empresa não conseguiu acessar o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), uma das principais ações do governo para negócios menores. "Não consegui o Pronampe em nenhum dos bancos. O programa surgiu em um dia e no outro acabou", diz o empresário. A WR segue em busca da linha de crédito, renovada pelo governo em 2021.
O relato de Silva é um exemplo das dificuldades das empresas menores de acessar o crédito. Embora representem a maioria dos negócios e dos empregos, as microempresas têm uma fatia de menos de 3% do crédito produtivo disponível. Na outra ponta, as grandes companhias abarcam quase 60%.
Entre o fim de 2019 e junho de 2021, enquanto o saldo de crédito para microempresas recuou em cerca de R$ 6,6 bilhões, o montante para as grandes companhias cresceu mais de R$ 144 bilhões. Os dados são do Banco Central e foram compilados pelo Estadão/Broadcast.
Apesar do discurso oficial do governo Bolsonaro, de que as empresas menores receberam atenção especial na pandemia, os números indicam que o crédito seguiu concentrado entre as grandes companhias – aquelas com renda bruta anual superior a R$ 300 milhões ou ativo total superior a R$ 240 milhões.
Essas empresas têm mais capacidade de se financiar por outros meios, seja no mercado de capitais local, seja no exterior. Aos microempresários – aqueles com receita bruta anual de até R$ 360 mil -, resta bater à porta do gerente do banco. "Houve a intenção por parte do governo de salvar as empresas, mas o crédito foi muito baixo", diz o empresário Silva. "Ficamos decepcionados."
Na sexta-feira, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que "não é verdade que as pequenas companhias tiveram restrição de crédito, é o contrário". Segundo ele, as empresas pequenas tiveram mais acesso ao crédito do que as médias, e essas, mais do que as grandes.
No caso das microempresas, o saldo de crédito de fato subiu de R$ 60 bilhões no fim de 2019 para R$ 63 bilhões em 2020. Entretanto, a fatia destinada às microempresas no bolo do crédito passou de 4,12% para 3,54%. Isso ocorreu porque o crédito para empresas de porte maior cresceu mais. Já no fim do primeiro semestre de 2021, o saldo para microempresas, de R$ 53,5 bilhões, era menor que em 2019. E a fatia caiu a 2,96%.
Para a economista Isabela Tavares, especialista em crédito da consultoria Tendências, essa situação prejudica os negócios que geram mais empregos. Dos 2,9 milhões de vagas com carteira assinada gerados em 12 meses até junho, 2 milhões (72%) foram por micro e pequenas empresas, segundo o Sebrae, com base em dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). "As grandes empresas têm garantias maiores. Sem garantias, as empresas menores têm pouco acesso ao sistema", diz Isabela Tavares.
A avaliação de entidades ligadas a micro e pequenos empresários é de que o reforço no crédito por parte do governo foi insuficiente. "Quase dobrou o volume de crédito, mas a procura mais que triplicou", diz o presidente da Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e dos Empreendedores Individuais, Ercílio Santinoni.
Em nota, o BC diz que, em 2020, o saldo das operações de crédito para as empresas menores cresceu "aproximadamente o dobro do saldo das grandes empresas, e sua fatia no total do crédito aumentou". "As microempresas, apesar de mais numerosas, representam, em conjunto, um porcentual menor da economia. A afirmação de que houve agravamento na assimetria de crédito não pode ser deduzida simplesmente tomando as participações relativas no mercado de crédito."
<b>Projeto busca ampliar as opções de garantia para financiamentos</b>
Para tentar destravar o crédito para pequenas empresas, o governo planeja reformular a regulação de garantias, permitindo que máquinas, estoques de produtos finalizados e até mesmo matérias-primas adquiridas possam ser empenhadas em novos financiamentos.
Desde o começo do ano, um grupo de especialistas dos setores financeiro e jurídico se reuniu semanalmente para elaborar uma proposta, colocada em consulta pública pelo Ministério da Economia na semana passada. A ideia da equipe econômica é consolidar um projeto de lei para enviar ao Congresso Nacional até o fim do ano.
Presidente da Comissão de Crédito Imobiliário do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim) e relator do grupo de estudos que elaborou a proposta, Fábio Rocha Pinto estima que as mudanças possam destravar até R$ 600 bilhões em crédito nos próximos anos, com novos produtos financeiros oferecidos não apenas por grandes bancos, mas também pelo próprio setor produtivo.
Dados do Banco Mundial usados pelo grupo mostram que, nos países em desenvolvimento, as instituições financeiras aceitam como garantia bens imóveis em 78% dos contratos. Os demais 22% são garantidos por bens móveis – como recebíveis, veículos e maquinários. O problema é que os ativos das pequenas e médias empresas têm exatamente a composição inversa, com 22% em imóveis e 78% em bens móveis.
"As empresas menores geralmente não têm imóvel próprio. Mas têm equipamentos, maquinário, estoque de matérias-primas e produtos acabados", diz Rocha Pinto. Segundo ele, já existem algumas medidas para facilitar o uso de recebíveis como garantias, mas faltava uma consolidação para esses outros bens. Hoje a legislação está pulverizada em mais de 15 leis diferentes, e o objetivo é reuni-las.
Com a proposta, o comerciante poderá dar em garantia todo seu estoque de uma só vez, sem a necessidade de descrever nenhum bem. "Isso permite a criação de novas linhas de crédito, e não apenas bancárias. Uma modalidade que cresce é o crédito da cadeia produtiva, que já acontece no agronegócio – que teve leis próprias ao longo do tempo", diz Rocha Pinto.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>