No campo financeiro, o futebol saiu da retranca para ajudar os combalidos cofres federais. Nada menos do que 33 clubes aderiram ao Refis, o programa de parcelamento de débitos atrasados com a Receita Federal. Entre eles estão grandes equipes como Corinthians, Flamengo, Atlético Mineiro, Botafogo e Fluminense. Mas a lista inclui também times como Paysandu, Remo e Coritiba, entre outros. A reportagem apurou que os clubes depositaram nos cofres do Fisco quase R$ 100 milhões desde agosto, com a adesão ao Refis.
Em grave financeira, os clubes de futebol receberam de braços abertos a iniciativa do governo federal. O jogo foi de “ganha-ganha”: em busca de recursos para melhorar as contas públicas, o governo recorre ao Refis, oferecendo um desconto no total devido pelos contribuintes inadimplentes.
O Corinthians negociou com a Receita toda a sua dívida tributária até 2011, informou o diretor financeiro do clube, Raul Côrrea da Silva. “Quando fomos rebaixados para Série B, em 2007, as dívidas do Corinthians poderiam nos levar para a Série C. O quadro de hoje é muito melhor. Voltamos a pagar tudo em dia a partir de 2011 e negociamos o atrasado agora”, disse. O Corinthians pagou uma entrada de R$ 6 milhões e negociou os demais R$ 30 milhões, já com desconto de 25% aplicado ao saldo total devido.
Aporte ainda maior fez o Atlético Mineiro, que parcelou em cinco vezes o pagamento da entrada de R$ 25 milhões. Sua dívida federal total, avaliada em R$ 270 milhões, foi reduzida a pouco menos de R$ 200 milhões graças à adesão ao Refis. Segundo o seu presidente Alexandre Kalil, o Refis é “o primeiro grande passo” para melhorar a situação financeira do futebol brasileiro.
“É preciso arrumar o passado, acertando condições melhores para o pagamento das dívidas. Agora, o segundo passo seria criar uma nova estrutura tributária, específica ao futebol”, disse Kalil. De acordo com o dirigente, o desempenho esportivo de um clube em crise financeira é contaminado. “É preciso um esforço inacreditável para evitar que o time seja abalado. Mas sempre é”, afirmou.
No caso do Fluminense, o presidente Peter Siemsen informou que o clube ingressou com sua dívida de R$ 48 milhões no Refis. Com o desconto automático, o passivo caiu a R$ 32 milhões. O clube pagará R$ 5 milhões, ao todo, como entrada, e o restante será negociado em 180 meses.
No geral, apenas em agosto o Refis rendeu R$ 7,1 bilhões aos cofres públicos. A participação do futebol parece pequena no conjunto, mas o Ministério da Fazenda está em uma fase crítica. “Parece pouco, mas é um dinheiro que não havia mais perspectiva de entrar nos cofres públicos. Para os clubes, por outro lado, é muito dinheiro”, disse um auditor da Receita envolvido na operação.
Ao aderir ao programa, os clubes recebem desconto na dívida. Eles precisam pagar uma entrada de 20%, que pode ser dividida em até cinco parcelas, e negociam o pagamento dos 80% restantes em 180 meses. O pagamento no Refis é corrigido pelos juros do BNDES, hoje em 5% ao ano, abaixo da inflação.
CRISE EM CAMPO – “Nossos problemas afetaram a performance esportiva, sem dúvida. O Fluminense pagou impostos em dia em 2011 e 2012 e teve bons anos, fomos campeões cariocas e do Brasileirão em 2012. Por conta de desentendimento com a procuradoria fazendária do Rio, ficamos inadimplentes em 2013 e o desempenho esportivo se refletiu. Se não paga salários e fornecedores em dia, o ritmo cai. Tudo vira uma bola de neve”, disse Siemsen.
Os maiores endividados do País, Flamengo e Botafogo, não comentaram. O time rubro-negro, por meio de sua assessoria, afirmou apenas que “de fato entrou (o clube) no Refis, no entanto dados de modelo de pagamento e valores são internos”.
O Botafogo sequer respondeu aos pedidos da reportagem, que apurou que o clube alvinegro negociou o pagamento de uma entrada de R$ 12,5 milhões em cinco meses e negociou o restante. Em grave situação financeira, a gestão de Maurício Assumpção contou com o auxílio de torcedores ricos para ajudar no pagamento à Receita, uma vez que quase 100% das receitas estão penhoradas pela Justiça.