Guarani, Portuguesa, Comercial, Paulista e Portuguesa Santista, clubes tradicionais do Estado de São Paulo, têm algo em comum. Todos estiveram recentemente, ou ainda estão, sob a ameaça de perder seus estádios por meio de leilão. Dívidas trabalhistas, tributárias ou com fornecedores colocam o patrimônio dessas associações em risco e “aguçam os sentidos” de um setor sempre interessado em grandes áreas: o imobiliário.
Reinaldo Fincatti, diretor da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), explica que o principal interesse do mercado imobiliário pelos estádios é o potencial de reutilização, ou seja, a transformação da arena em outro negócio, como grandes empreendimentos.
“Em geral, os estádios estão em locais nobres e de fácil acesso. São terrenos únicos, avantajados, praticamente inexistentes no tecido urbano”, explica Fincatti. “Para o mercado imobiliário, o preço do terreno vale mais do que a construção em si.
Em 2015, o Grupo Maxion arrematou o Brinco de Ouro da Princesa, estádio do Guarani, por R$ 105 milhões. Comprovando irregularidades no processo – o valor da compra era inferior à avaliação da Justiça Federal, de R$ 470 milhões -, o clube de Campinas anulou o leilão. Em seguida, conseguiu um acordo com a empresa MMG, que pertence ao Grupo Magnum. Neste acerto, o Guarani vai ceder o terreno do estádio para a construção de um complexo comercial/imobiliário.
Em contrapartida, o investidor vai pagar a dívida trabalhista do clube, que gira em torno de R$ 20 milhões, construir um CT, novo clube social e nova arena de 12 mil lugares na cidade. Além disso, vai patrocinar o clube por 130 meses com R$ 350 mil mensais. O Guarani vai transferir a posse do Brinco quando receber todas essas novas estruturas.
“Muitos clubes, incluindo o próprio Guarani, sofreram com administrações desastrosas, que comprometeram boa parte de seu patrimônio. Porém, a atual legislação esportiva, principalmente no que tange aos direitos econômicos de atletas, acaba punindo os clubes, tornando a atividade deficitária”, opina Palmeron Mendes, presidente do Guarani. “Leiloar o patrimônio não trará uma solução para o problema.”
TOMBAMENTO – Há situações, porém, em que arrematar um estádio em leilão não é oportunidade de negócio para potenciais investidores. Pode até se tornar forte dor de cabeça. São os casos daqueles que estão tombados ou em processo de tombamento.
O Palma Travassos, do Comercial, é patrimônio histórico de Ribeirão Preto. Principalmente por isso, todas as três tentativas de leilão realizadas, a última em 22 de maio, fracassaram. O lance mínimo de R$ 18,9 milhões para um bem avaliado em R$ 31,5 milhões não seduziu ninguém. “É sempre uma situação constrangedora, mas, diante desse quadro, praticamente não há risco de o estádio ser arrematado”, disse à reportagem do Estado o presidente do Conselho Deliberativo do clube, David Isaac.
Ele reclama que o Comercial tem passado por esse constrangimento por causa de dívida que se arrasta desde a década de 1960. São débitos fiscais, de FGTS, atualmente em cerca de R$ 3 milhões. “Temos tentado insistentemente negociar dentro da realidade do clube, espero que agora a gente consiga um acordo.”
O Jayme Cintra, do Paulista, passa por processo semelhante. Leilão realizado em 27 de maio por causa de dívida trabalhista de R$ 1,5 milhão terminou sem lance – o mínimo era de 50% dos R$ 35 milhões que o local foi avaliado. Isso porque, no fim de março, havia sido iniciado o procedimento que visa o tombamento parcial do estádio.
Esse processo de tombamento, aliás, pesou para que o juiz Jorge Luiz Souto Maior, da 3.ª Vara do Trabalho de Jundiaí, determinasse, um dia depois daquele pregão, o cancelamento do leilão. Como o Paulista tem várias outras dívidas, essa que deu origem ao leilão malsucedido foi enviada ao “condomínio de credores” do clube, que recebe gradativamente as pendências. “Todo dinheiro que ingressa no Paulista é automaticamente enviado para o condomínio e rateado entre eles”, diz Cláudio Levada, presidente do Conselho de Administração do clube.
Ele afasta a possibilidade de uma reviravolta da situação no curto prazo que leve a nova determinação de leilão, independentemente do tombamento. “Eu diria que não existe risco imediato. Mas é claro que, se as dívidas não forem pagas, permanece a possibilidade do arremate.”