A Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 16 pessoas nesta terça-feira, 19, pelos crimes de associação criminosa e de inserção de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde. A falsificação, segundo a PF, teria o intuito de burlar regras sanitárias durante a pandemia de covid-19, evitando possíveis problemas para que Bolsonaro entrasse nos Estados Unidos, país que exigia a imunização dos estrangeiros, no fim de 2022.
O caso já havia culminado na prisão de seis pessoas em maio de 2023. Na época, com a autorização do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a PF deflagrou a Operação Venire, que cumpriu ainda 16 mandados de busca e apreensão, em endereços em Brasília e no Rio de Janeiro.
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, foi um dos presos. Ele assinou um acordo de delação premiada e foi solto em 9 de setembro – as informações prestadas por ele ajudaram a investigação sobre tentativa de golpe de Estado, na qual Bolsonaro também é investigado.
Os outros presos, também soltos em setembro, são: o sargento do Exército Luís Marcos dos Reis, o ex-major do Exército Ailton Gonçalves Moraes Barros (que é advogado e foi candidato a deputado estadual no Rio pelo PL em 2022), o ex-policial militar Max Guilherme, o capitão da reserva do Exército Sérgio Cordeiro e o ex-secretário municipal de Governo de Duque de Caxias (RJ) João Carlos de Sousa Brecha – cidade onde os registros falsos apontam que a vacinação ocorreu. Também há falsificação de doses supostamente aplicadas em Cabeceiras (GO).
Segundo os investigadores, Cid imprimiu a carteira de vacinação falsa do ex-presidente dentro do Palácio da Alvorada. O delator, que também foi indiciado, narrou que "recebeu a ordem" de Bolsonaro para fazer as inserções de dados falsos e, depois, entregou nas mãos do ex-chefe do Executivo o documento falsificado.
Além dos dados forjados de Bolsonaro, a investigação também apontou que houve fraude no certificado de vacinação da filha dele de 12 anos, do próprio Cid, bem como da mulher e das três filhas do então ajudante de ordens.
<b>Passo a passo da fraude</b>
Conforme aponta a investigação, a primeira tentativa de burlar o certificado das vacinas foi feita por Cid em novembro de 2021, quando ele pediu ajuda do sargento Luís Marcos dos Reis, membro de sua equipe na Presidência, para fraudar o certificado de vacinação da sua esposa, Gabriela Santiago Cid.
Ele teria conseguido um documento digitalizado de um cartão físico de vacinação por meio de Farley Vinicius, médico e sobrinho do sargento Reis. O registro de vacinação falso usou dados de uma vacinação verdadeira, feita em Cabeceiras (GO). Os dados foram inseridos no Conecte SUS com ajuda do militar Eduardo Crespo Alves, que teve problemas ao tentar fazer a operação do Rio de Janeiro. Por isso, um novo cartão de vacinação foi solicitado a Ailton Gonçalves Moraes Barros, que emitiu o documento em Duque de Caxias (RJ).
Nessa etapa, também houve ajuda do ex-vereador Marcello Moraes Siciliano e da enfermeira Camila Paulino Alves Soares. Os dados foram inseridos no sistema pelo então secretário municipal da cidade fluminense João Carlos de Sousa Brecha, aponta a investigação. Também foi ele quem, segundo a PF, inseriu dados ideologicamente falsos sobre a vacinação de Cid e de suas três filhas no Conecte SUS.
Depois desse processo, o modus operandi teria se repetido com Bolsonaro. Segundo a delação de Cid, o ex-presidente, ao tomar conhecimento de que o então ajudante de ordens tinha cartões de vacinação contra a covid-19 em seu nome e de seus familiares, "ordenou" que o aliado "fizesse as inserções para obtenção dos cartões ideologicamente falsos para ele e sua filha".
A PF narra ainda que os investigados tentaram "apagar os rastros das condutas criminosas". Segundo o delator, ao saber dos dados falsos, o coronel Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro, rasgou os certificados do ex-chefe do Executivo e da criança, pedindo que o então ajudante de ordens desfizesse as inserções falsas.
Em seguida, Cid contou que entrou em contato com Ailton Barros para tentar excluir as inserções. Segundo a PF, o ex-major teria então acionado a servidora Cláudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, de Duque de Caxias, que foi responsável por apagar os dados do sistema do Ministério da Saúde sob alegação de "erro". Os dados foram apagados em 27 de outubro de 2022, segundo o inquérito.
<b>Próximos passos</b>
O indiciamento não significa que o ex-presidente já tenha sido considerado culpado pela fraude no cartão de vacina. Com o relatório final de 231 páginas, cabe ao Ministério Público Federal (MPF) decidir se apresenta denúncia formal à Justiça, que pode determinar a abertura de uma ação penal. Se a Justiça acatar a denúncia, Bolsonaro vira réu no processo que vai apurar os crimes. Moraes, relator do caso, deu 15 dias para a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestar.
Além de Bolsonaro e Cid, outros 15 são indiciados na investigação e podem responder pelos crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores.
A reportagem busca contato com as defesas do ex-presidente e dos outros envolvidos, o que ainda não havia ocorrido até a publicação deste texto.
Nas redes sociais, o advogado Fábio Wajngarten, que representa o ex-presidente, disse que o indiciamento é um "absurdo".