Os habitués do festival Cena Contemporânea sentiram a diferença desta edição em relação às anteriores. É que o 15º Cena – que começou no dia 19 e terminou neste domingo, 31, em Brasília – teve uma sensível redução na verba captada. Segundo integrantes da própria organização do festival, nos últimos anos a programação paralela lotou áreas da cidade, atraindo público com shows e performances. Sem essas opções e com uma agenda teatral mais enxuta, o evento teve uma edição mais tímida.
Isso não impediu, no entanto, o sucesso do festival. Boa parte dos espetáculos teve ingressos esgotados rapidamente e os teatros, em geral, tiveram notáveis filas de espera. De acordo com o curador do evento, Guilherme Reis, estes fatos também decorrem do preço da entrada – R$ 20 pela inteira. “Nossos ingressos são baratos”, afirma. “Muitas pessoas compram apenas para garantir, depois decidem se vão assistir ou não aos espetáculos.”
Entre as 23 montagens, nove eram de grupos brasilienses – e muitas delas tiveram entradas esgotadas antes das peças estrangeiras. Foi o caso, por exemplo, de Adaptação. Criado em 2012 por Gabriel F., o espetáculo foi motivado pelo fim de sua companhia, Teatro de Açúcar, que ficou menos viável após a mudança do ator e dramaturgo para a Espanha. No monólogo, ele vive uma transexual que realiza o sonho de ser atriz e apresenta a sua primeira peça, que não tem texto pronto. Em uma conversa com o público, a personagem aborda diversos tipos de adaptação, como a de seu corpo. A encenação se destaca pela leveza: diferentemente da maioria das montagens que mostram histórias de transexuais, aqui a protagonista deixa as suas dores em segundo plano.
Noctiluzes foi outra apresentação local que prendeu a atenção do público presente no teatro Goldoni – onde o encenador era obrigado a optar entre o ruidoso ar condicionado ou o calor intenso. Instigante, a trama foi escrito pelo dramaturgo argentino Santiago Serrano especialmente para a companhia Plágio de Teatro. Em um cenário simples, que faz as vezes de um trapiche, três homens desconhecidos se encontram de madrugada. Eles estão ali para resolver seus problemas, que custam a ser revelados. Destaque para a atuação correta de Vinícius Ferreira e de Chico SantAnna, que convence a plateia ao dar vida a um homem cego.
Três das seis montagens internacionais se concentraram nos últimos dias do festival, com gêneros bem distintos. Um pouco frustrado, o diretor da escocesa Vanishing Point, Matthew Lenton, abriu a primeira sessão de Tomorrow, explicando ao público que boa parte do cenário ficou retida na alfândega, em São Paulo. O impasse não causou problemas perceptíveis à encenação, que aborda de forma sutil e, ao mesmo tempo, sombria o envelhecimento e os cuidados com idosos. O espetáculo pode ser visto pelo público paulistano – provavelmente já com a cenografia completa – nos dias 6 e 7 de setembro, no teatro do Sesc Santana.
Se a plateia ficou tensa com Tomorrow, pôde dar boas risadas com a ótima versão de Othelo, dirigida pelo argentino Gabriel Chamé Buendía, especialista na linguagem de clown. A releitura da trupe mesclou clássico e moderno em um espetáculo dinâmico e de apurado trabalho corporal. Cheia de ironias, a montagem tem momentos hilários como, por exemplo, as situações em que o elenco interage com a imagem de Shakespeare, presente no palco.
Com Othelo, a peça La Función por Hacer encerrou a programação do festival. Premiadíssima na Espanha, a montagem da Kamikaze Producciones foi uma das quatro do Cena a abordar um texto do italiano Luigi Pirandello. A companhia confere uma nova cara a Seis Personagens à Procura de Um Autor, causando um conflito entre o trabalho dos atores e a vida dos personagens.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.