Estadão

Equatorianos se arriscam na mais perigosa rota migratória do continente

Depois de um fluxo recorde de venezuelanos cruzando a perigosa selva de Darién, na fronteira entre Colômbia e Panamá, com rumo aos EUA, este número despencou no mês de novembro após Washington tornar mais rígidas as regras de asilo. Por outro lado, a migração saindo do Equador acelerou no último trimestre, tendo ultrapassado os venezuelanos em todo o mês de novembro. Um fenômeno explicado pela piora da pobreza e aumento da violência no país.

De janeiro a novembro, mais de 21 mil equatorianos cruzaram o Estreito de Darién, um trecho de floresta fechada que corta a rodovia pan-americana considerada a rota migratória mais perigosa das Américas e uma das mais perigosas do mundo. Muito acima dos 330 de todo ano de 2021, segundo dados do governo do Panamá. Ainda é muito distante dos 148 mil venezuelanos que passaram por lá até agora, mas desde agosto os equatorianos se tornaram a segunda maior nacionalidade na selva.

"Esses dados demonstram, primeiro, a situação crítica que vive o país, com uma nova onda migratória, e segundo, que o destino continua sendo os EUA, mas já não utilizam as mesmas rotas de antes", explica ao <i>Estadão</i> Jacques Ramírez, antropólogo e professor na Universidade de Cuenca, no Equador. Segundo ele, a escolha pela rota perigosa se deve, principalmente, por uma mudança no perfil migratório, que está mais empobrecido.

"Essas pessoas já não têm nada a perder e arriscam tudo. A partir de 2018, o país começa a ter um aumento do desemprego e do emprego informal, então vínhamos de uma crise econômica e tudo piora quando surge a pandemia", afirma Ramírez, lembrando os horrores que o país viveu durante a pandemia com corpos espalhados pelas ruas de Guayaquil.

<b>POBREZA</b>

As razões econômicas são as mais ouvidas pela coordenadora do posto do Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Darién, no Panamá, Tamara Guillermo. "Eles relatam que não conseguem mais sobreviver, estão sem trabalho, a moeda desvalorizou, não têm mais poder de comprar e, para complementar, tem a insegurança", conta. Ela observa que, assim como os equatorianos, os números de haitianos, afegãos, chineses e indianos na selva continuam com tendência de alta.

A partir de 2020, os dados de pobreza, desemprego e informalidade dispararam no país. Este ano, como resultado da recuperação pós-pandemia, o país conseguiu melhorar seus dados em comparação aos dois anos anteriores, mas ainda a taxas muito tímidas. De 2016 a 2019, quase 541 mil pessoas caíram na pobreza, enquanto só o ano de 2020 trouxe mais de 1,33 milhão de novos pobres.

Ramírez ressalta que o Equador é historicamente um país de migração. Mas esta nova onda é diferente não só pela mudança no perfil e na rota, mas pela violência ter se tornado um fator relevante.

"Há todos esses tipos de grupos criminosos, muito transnacionais ligados ao narcotráfico, que literalmente tomaram as ruas do Equador, especialmente em algumas províncias litorâneas", afirma Ramírez.

Antes mesmo do final do ano, o país já bateu recordes de taxas de homicídio, com 15,48 mortes violentas por 100 mil habitantes. Ainda distante de países centro-americanos como Honduras e El Salvador (mais de 30 por 100 mil cada) e até do Brasil, que tem taxa de 20,86. Mas algumas províncias equatorianas registraram quase 50 por 100 mil. São as maiores taxas em uma década. As taxas de feminicídio também estão em disparada. Depois de um 2021 com recorde de mortes de mulheres, 2022 já ultrapassou a cifra antes mesmo do fim do ano, com 272 mortes, segundo a Fundação Aldea, que mapeia a violência de gênero no Equador.

Já em agosto, o Médicos Sem Fronteiras alertava que muitos equatorianos estavam cruzando a selva desde o início dos protestos contra o governo de Guillermo Lasso em junho. Desde então, o número aumentou em mais de 300%.

O ano de 2022 foi marcado pelo aumento da crise migratória na fronteira sul dos EUA, em parte devido às aberturas após a pandemia, mas, principalmente, por causa de acordos entre o governo de Joe Biden e países vizinhos para exigir vistos de países sul-americanos.

Além disso, o uso de redes sociais para disseminar informações e rotas alternativas de migração facilitou a busca por novos caminhos. Para conter o fluxo, os EUA limitaram o número de venezuelanos que poderiam entrar no país a 24 mil, passaram a exigir entrada legal por avião e um patrocinador dentro do país para mantê-los. O reflexo se vê agora: do recorde de mais de 40 mil venezuelanos em outubro, o número despencou para 668 em novembro.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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