As equipes de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entregam, nesta quarta-feira, 30, o primeiro relatório elaborado pelos grupos técnicos de cada área. O pacote reúne propostas de socorro financeiro imediato a áreas sensíveis, como saúde, segurança pública e educação, e ações de curto e médio prazo, como a suspensão de atos que permitam a prescrição de multas ambientais, a paralisação de venda de ativos da Petrobras, a interrupção de privatizações como a da Dataprev e a criação de um marco legal para regular a internet.
Também está nos planos do futuro governo lançar já em 2023 um recenseamento dos caçadores, atiradores esportivos e colecionadores de armas (CACs), grupo que cresceu por incentivos do governo de Jair Bolsonaro e até elegeu membros para o Congresso. A proposta é mapear as armas que foram adquiridas legalmente por esses civis e acabaram desviadas. O <i>Estadão</i> levantou as principais ações que serão anunciadas em ao menos 12 grupos temáticos.
A falta de recursos e o apagão administrativo marcam os fatores mais presentes na maior parte dos diagnósticos. Há preocupação para que medidas de efeito imediato sejam tomadas para resolver o rombo de contas em aberto ainda neste ano e que não têm previsão de pagamento, além de débitos esperados já no início de 2023. Nesta situação estão itens como a compra de vacinas contra todo tipo de doença, combustível para viaturas da Polícia Federal e livros didáticos do ensino básico.
Em entrevista ao <i>Estadão</i>, o médico sanitarista Arthur Chioro, coordenador da equipe da Saúde, disse que a área precisa de R$ 22,7 bilhões para que cumpra apenas aquilo que é primordial. Além do orçamento, o documento vai cobrar a reestruturação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), para que as campanhas ganhem novamente a confiança da população.
Na Educação, os integrantes do grupo temático vão incluir pedidos de verba para o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e para as universidades e institutos federais, por exemplo. O PNLD chegou a sofrer um bloqueio de R$ 796,5 milhões neste ano. Parte do material previsto pelo Ministério da Educação para estudantes do 1.º ao 5.º ano pode não chegar a tempo do início do ano letivo de 2023.
O documento específico sobre o orçamento da área compilado pelo PT aponta o estrangulamento de áreas cruciais. Segundo o texto, há "grande queda de orçamento em relação a 2022, como o apoio à manutenção da educação infantil (de R$ 102,2 milhões para R$ 2,6 milhões) e o apoio à implantação de escolas de educação infantil (de R$ 111 milhões para R$ 2,5 milhões)".
Na área do meio ambiente, por exemplo, o que se pretende é suspender o efeito de decretos e portarias editadas tanto pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o atual, Joaquim Leite, quanto pelo presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim. O entendimento da equipe é que as normas não apenas emparedaram a fiscalização ambiental, como pressionaram os agentes ambientais e permitiram que infratores deixassem o processo correr, sem consequências.
A transição ainda não tem clareza sobre qual é o número exato de multas que estão prestes a prescrever, em qual prazo nem qual o valor total. A equipe quer ainda revisar o programa "Adote um Parque", que foi lançado por Salles, como forma de retirar unidades de conservação ambiental das mãos do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e repassá-las para a iniciativa privada.
Há emergência, ainda, em áreas como a de energia, para evitar que a venda de ativos pela Petrobras avance ainda neste ano, sem que o governo eleito possa fazer qualquer análise prévia dos negócios.
Já o grupo técnico de Comunicações vai apresentar sugestão de regulação das mídias digitais. A informação foi confirmada pelo ex-ministro das Comunicações Paulo Bernardo. "A gente acha que tem que ter alguma medida regulatória para as plataformas digitais, sobre temas como o uso, os direitos das pessoas, a responsabilização por problemas que haja, como fake News, por exemplo", comentou Paulo Bernardo. A proposta será submetida ao Congresso.
Para organizar o trabalho, a transição montou um roteiro que deverá ser cumprido até o fim da mudança de governo. O <i>Estadão</i> teve acesso a um manual que aponta prazos para entrega de relatórios, indica diretrizes de trabalho e faz recomendações sobre como lidar com a imprensa.
Os documentos são preliminares e servirão para nortear o início dos trabalhos do futuro governo Lula. Após este primeiro relatório, as equipes temáticas terão de apresentar seus pareceres finais até o dia 11 de dezembro. O PT ainda não definiu a data para encaminhar esses documentos aos futuros ministros.
O manual da transição indica que os pareceres terão alertas identificados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e por outros órgãos de controle. Na semana passada, a Corte encaminhou relatórios à transição com cenários de diferentes áreas do governo.
Como mostrou o <i>Estadão</i>, o TCU alertou a equipe de Lula de que o governo Bolsonaro deixou o Sistema Único de Saúde (SUS) em situação com "indícios de insustentabilidade" e nem sequer tem dados básicos, por exemplo, sobre a cobertura vacinal contra covid-19. A precariedade dos dados fez com que a Corte de contas informasse ao grupo de transição que não foi possível nem avaliar o cumprimento de metas de imunização.
O manual recomenda que sejam indicadas "eventuais revogações de atos normativos". Para o relatório do dia 11 de dezembro, há um pedido para que os grupos indiquem contratos que vencem até 30 de abril de 2023 e que há risco de paralisação de serviços.
O documento tem um trecho dedicado à relação com a imprensa. "Recomenda-se fortemente evitar compartilhar com a imprensa questões preliminares, que demandem decisões políticas e outras de natureza sensível", diz o manual.
<b>Principais mudanças sugeridas</b>
Propostas que farão parte do relatório de 12 grupos de trabalho
<b>Meio ambiente</b>
– Suspensão das regras de multas ambientais que têm permitido a prescrição de milhares de infrações
– Revisão do programa "Adote um Parque", que privatiza unidades de conservação ambiental
– Novo organograma do Ministério do Meio Ambiente, com retomada do Serviço Florestal Brasileiro (SFB)
<b>Saúde</b>
– Recomposição de orçamento de R$ 22,7 bilhões para atender necessidades emergenciais
– Retomada do programa Farmácia Popular, Saúde Indígena e de provisão de médicos na atenção primária e residências
– Compra de vacinas contra a covid e reestruturação do Programa Nacional de Imunização (PNI)
<b>Educação</b>
– Pedido de verba para o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
– Recomposição do orçamento de universidades e institutos federais
– Possibilidade de revogação de decretos de Bolsonaro ligados ao Programa das Escolas Cívico-Militares e à Política Nacional de Educação Especial
<b>Cultura</b>
– Destravar acesso a recursos da Lei Rouanet
– Reativar fundo de incentivo ao setor audiovisual
– Recompor a estrutura do Ministério da Cultura, transformado em secretaria por Bolsonaro
<b>Segurança Pública</b>
– Revogação de decretos de Bolsonaro que facilitaram acesso a armas de fogo
– Recomposição imediata de recursos para Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, para serviços básicos de passaportes e operações
– Retomada do projeto "Guardiões das Fronteiras", com repasse de recursos aos Estados para manter efetivo em bases na região amazônica
– Pagamento ao fundo penitenciário nacional devido aos Estados, relativo a 2022
<b>Minas e Energia</b>
– Rever plano de venda de ativos da Petrobras
– Revisar política de preços de combustíveis da Petrobras
– Cancelar projetos de usinas térmicas que foram incluídas em texto "jabuti" na lei de privatização da Eletrobras
– Cancelar proposta para construção da rede de gasodutos (Brasduto)
<b>Comunicações</b>
– Sugerir processo de regulamentação da internet, com abertura de consulta pública e elaboração de texto a ser enviado ao Congresso
– Redução de taxas de serviços cobrados na área de telecomunicações
– Separar novamente as empresas EBC e NBR, hoje unidas em TV Brasil
– Retirar Correios e EBC da lista de metas de privatização
<b>Cidades</b>
– Reativação do programa Minha Casa Minha Vida, incluindo a faixa 1
– Reformulação de políticas internas da Caixa Econômica Federal para descentralizar gestão de projetos na área de habitação
<b>Agricultura</b>
– Redução de taxas de juros do Pronaf (agricultura familiar), Pronamp (médios) e Inovagro (financiamento de programas de inovação e qualificação profissional
– Criação de linhas de crédito para produtores comprometidos com metas de recuperação ambientais
– Redução de juros a produtores que promovem produção com baixa emissão de carbono
– Redução de taxas para financiamento de tratares e colheitadeiras
<b>Trabalho</b>
– Retomar a estrutura do Ministério do Trabalho
– Acabar com projeto Carteira Verde e Amarela, que tramita no Congresso
– Revisar a reforma trabalhista de Michel Temer e o "trabalho intermitente", aquele que é prestado de forma esporádica
<b>Previdência</b>
– Retirar a estatal Dataprev da lista de privatizações
– Fortalecer a área de tecnologia da informação do órgão que administra as aposentadorias
– Zerar a fila de pedidos do INSS, que hoje chega a cerca de 2 milhões de pessoas
<b>Transparência, Integridade e Controle</b>
– Analisar os sigilos de 100 anos impostos pelo presidente Jair Bolsonaro
– Apresentar projetos para aperfeiçoar mecanismos de controle e combate à corrupção nas estruturas do governo federal e estatais.