O silêncio e o esvaziamento dos barracões, das quadras e do sambódromo estão chegando ao fim. Aos poucos, as atividades presenciais das escolas de samba de São Paulo retornam e se ampliam, mas ainda com restrições e fechadas para o público em geral. O objetivo é fazer um "carnaval da superação", após as vidas levadas pela covid-19 e a crise gerada pela pandemia. As datas para desafogar a emoção estão definidas: de 25 a 28 de fevereiro.
A venda de ingressos foi aberta na quarta-feira e, em 24 horas, as entradas para o setor F (de valor mais acessível) esgotaram para o primeiro dia de desfiles. Segundo a empresa responsável, a ALK Live Entertainment, "quase todos" os ingressos para as arquibancadas nos dias do Grupo Especial estavam vendidos até sexta-feira. A realização de fato dos desfiles dependerá da situação sanitária em 2022, mas a Prefeitura, as escolas e as entidades envolvidas no carnaval têm defendido o planejamento com meses de antecedência. "A missão está um pouco mais complicada", resume Sidnei Carriuolo, presidente da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo. "A produção do carnaval precisa de ao menos seis meses. Se não conseguirmos nos apresentar em fevereiro, na hora que melhorar depois nós vamos apenas precisar pegar o que produzimos e desfilar. Vai estar pronto."
Carriuolo também destaca que, caso seja necessário, o carnaval do sambódromo poderá se adaptar a protocolos sanitários. "A gente espera que possa ter arquibancada lotada, que possa fazer um desfile bem aglomerado, para poder dar uma plástica visual, mas, caso as autoridades entendam que não possa ser neste perfil, a gente vai se adaptar."
A pandemia será lembrada no sambódromo com um desfile de abertura exclusivo de integrantes das Velhas Guardas. A ideia é celebrar a vacinação com aqueles que sobreviveram à pandemia mesmo sendo de grupo de risco. Segundo ele, o momento será emocionante. "Todas as escolas tiveram perdas…Vai bater a saudade, não tem jeito."
Na Acadêmicos do Tatuapé, por exemplo, foram retomados os ensaios da bateria neste mês, mas exclusivamente semanais e fechados. Há uma expectativa de que possam ser abertos em novembro, quando São Paulo liberará a realização de festas, permitindo a venda de ingresso, cuja ausência tem sido sentida. Mestre de bateria e presidente da escola, Higor Silva conta que as atividades de produção de fantasias, alegorias e carros alegóricos estão no máximo.
Já Cristiano Bara, carnavalesco da Unidos de Vila Maria, diz que "já se sente um novo frescor". "Antes estava parado. Tem aquele alívio. Funcionário para lá e para cá, um caminho para a normalidade", descreve. Ele comenta que a alta do dólar e a pandemia afetaram a obtenção das matérias-primas, em grande parte importadas da Ásia, chegando a mais do que dobrar o custo de alguns itens. "Estamos procurando alternativas, fazendo pesquisa de preço. A gente tira da cabeça aquilo que não tem do bolso", diz. Mesmo assim, calcula estar com 70% do desfile pronto.
Na Colorado do Brás, foram contratados mais profissionais para a confecção de peças, restrita a ateliês e residências dos trabalhadores. O trabalho presencial no barracão está restrito aos profissionais de Parintins, focados na produção dos carros – "todos testados e vacinados", garante o carnavalesco André Machado. A escola celebrou o aniversário de 46 anos na sexta-feira, em um evento híbrido, com espectadores presenciais e pela internet, no Teatro Artur de Azevedo, na Mooca.
Decisão semelhante foi tomada pela Rosas de Ouro, que celebrará o aniversário de 50 anos com uma festa no próximo sábado, com capacidade de público reduzida. A venda dos ingressos foi aberta exclusivamente para quem tomou a vacina da covid-19.
<b>TEMOR</b>
Entre os especialistas ouvidos pelo <i>Estadão</i>, as opiniões sobre a realização do carnaval de rua foram distintas. Médico sanitarista e professor na USP, Gonzalo Vecina Neto se diz "totalmente temoroso". Para ele, a situação não terá mudado tanto em quatro meses. "O grande problema é que carnaval de rua e festa de réveillon não tem como controlar", afirma.
Infectologista e professora da Unicamp, Raquel Stucchi considera possível a realização, mas aponta que o ideal é alcançar cerca de 80% do esquema vacinal completo até o carnaval, com a aplicação da dose de reforço na população idosa, imunossuprimidos e outros grupos mais suscetíveis. "E precisa diminuir o número de internações e o de óbitos, ainda alto."
<b>CARNAVAL DE RUA</b>
O público estimado do carnaval de rua de São Paulo aumentou 15 vezes desde 2014. Só que embora o prefeito Ricardo Nunes (MDB) tenha até declarado publicamente que espera repetir os 15 milhões de foliões da última edição, os anúncios da gestão municipal têm destacado que a realização depende da situação sanitária. Até materiais de divulgação aparecem com um asterisco e a referência "autorização definitiva condicionada à Covisa".
Por isso, o planejamento tem causado hesitação. Parte significativa dos que costumam ter atividades presenciais nesta época do ano ainda não voltou. O principal motivo é a falta de parâmetros sanitários. Uma cobrança semelhante ocorreu no Rio. Por lá, a pedido de uma comissão de vereadores, a Fiocruz e a UFRJ elaboraram cinco parâmetros para a realização do carnaval, incluindo a cobertura vacinal completa de 80% da população (no País, no Estado e na cidade) e a média móvel semanal de até 1,63 caso a cada 100 mil pessoas das síndromes gripal e respiratória aguda grave (que incluem a covid-19). O relatório também indica protocolos sanitários como a exigência de passaporte da vacina no acesso a hotéis e espaços fechados, além da criação de um painel do carnaval para divulgação de indicadores. Em nota ao <i>Estadão</i>, a Prefeitura do Rio disse avaliar as sugestões dos pesquisadores.
Sem a definição de indicadores, alguns blocos paulistanos veem a situação como ainda nebulosa. "Estamos mais pela precaução do que pelo liberou geral. Daqui a dois meses, talvez o quadro será outro", comenta José Cury Filho, representante do Fórum de Blocos do Carnaval de Rua, que reúne cerca de 190 agremiações.
No bloco Me Lembra Que eu Vou, os batuqueiros voltaram a se reunir presencialmente, mas com menor frequência. "É mais encontro que ensaio", conta Cury Neto. Para novembro, estão previstos quatro ensaios, com distanciamento e uso de máscara.
No Os Capoeira, que inclui outras atividades em uma casa de cultura própria, as oficinas de percussão e a preparação para os desfiles presencialmente voltaram. "Não sabemos ainda qual vai ser a situação no carnaval, mas o que a gente quer é que seja da maneira mais legal possível", diz Mestre Dalua. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>