Variedades

Escritor Luiz Bras parte para a criação compartilhada

Um prazer misturado com medo. É assim que o escritor Luiz Bras descreve sua relação com o desafio que tem diante de si: escrever um livro em que cada capítulo, postado num blog quinzenalmente, será discutido com os leitores, que poderão opinar, sugerir mudanças e rumos para o capítulo seguinte e criticar. Ainda não há um nome para a obra nem, claro, enredo definido.

O que há, como ele diz, é um fiapo de enredo. Logo no início, um trecho atribuído a uma tribo indígena fala sobre uma semente mágica e sagrada. “Creio que os personagens vão estar em luta para se apossar dessa semente. É só isso o que tenho no momento. E algumas sensações – de que haverá mais personagens e de que a chuva que não para de cair em Cobra Norato, a cidade que eu criei e que já apareceu em outros livros meus, vai ter um significado ligado a essa semente”, explica. O resto será escrito com base nos comentários que receber. Mas de uma coisa talvez ele não abra mão: “Eu gostaria que o romance tivesse um final épico e grandioso”.

O livro é destinado a adolescentes, entre 10 e 16 anos, mas, por ora, quem acompanha o processo é o público do autor – seus alunos e leitores. A expectativa é que agora, com a volta às aulas, os estudantes do Sesi se engajem na iniciativa. São, no total, 180 mil e eles estão na mira da editora da instituição em mais um projeto: seu Clube do Livro. O programa, iniciado em junho e oferecido até agora apenas aos funcionários, será ampliado este mês e tanto alunos quanto público em geral poderão aderir. Quando ficar pronta, a obra de Luiz Bras será incluída no pacote.

Autor de “Sozinho no Deserto Extremo”, entre outros títulos, ele deixou sua zona de conforto ao aceitar o convite da editora Sesi-SP. “Quando escrevo um romance, sempre faço escaleta e defino todos os capítulos. Antes de começar, já sei qual será o desenlace. Não gosto de trabalhar com surpresas”, diz. “E a proposta é o oposto disso: é ficar à mercê do acaso.” Sua decisão em encarar o desafio tem a ver com a vontade de arriscar porque, ele explica, até a atividade literária pode acabar caindo na monotonia. Um de seus pavores é o de escrever sempre o mesmo livro e, por isso, topou participar. O desafio tem sido gigantesco, ele admite. Esta é a primeira vez que entra num projeto sem imaginar qual será o resultado. “O grande medo é saber como essa história vai continuar. É preciso manter a coerência narrativa e literária, mas me sinto um pouco inseguro”, comenta. Mas ele reconhece a importância do diálogo. “Esse modelo do autor ensimesmado, reflexivo, filosófico, infelizmente, ou felizmente, não funciona mais hoje. O diálogo é importante, e o diálogo em tempo real.”

A história deve ter 10 ou 12 capítulos e a duração do projeto será de 5 ou 6 meses. A cada 15 dias, ele publica um novo trecho no blog Participe do Romance e aguarda o retorno dos leitores para, então, dar continuidade. Quem colaborar ganha um agradecimento no final do volume. “Mesmo que nossa expectativa não seja atingida, só a experiência terá sido um grande aprendizado para projetos futuros que estabeleçam uma relação diferente da tradicional – sempre a do livro impresso procurando o seu leitor”, diz. O terceiro capítulo deve entrar no ar no dia 15.

A ideia de envolver leitores e escritores não é exatamente nova, mas as tentativas estão sendo aperfeiçoadas. No âmbito da autopublicação, a experiência é mais comum e, aos poucos, editoras começam a se mobilizar.

Em 2008, uma parceria entre a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, a Câmara Brasileira do Livro e a agência de publicidade DM9 DDB resultou numa obra coletiva. O primeiro capítulo do “Livro de Todos – O Mistério do Texto Roubado” foi escrito por Moacyr Scliar (1937-2011). Um mês depois, o site do projeto havia recebido 14 mil visitas e 362 colaborações – elas foram consolidadas por uma comissão editorial supervisionada pelo jornalista Almyr Gajardoni. O lançamento, na Bienal, contou com a participação de 60 dos 173 autores.

Projeto mais arriscado foi o do escritor, ator e apresentador do Disney Channel Vinicius Campos. Em 2012, depois de publicar “O Amor nos Tempos do Blog”, ele começou a participar de eventos literários e percebeu que perguntas sobre o processo criativo eram recorrentes. “As pessoas têm a ideia de que um escritor é um gênio que senta no computador e recebe a história. O processo é outro e envolve escrever, reescrever e reescrever”, diz. Decidiu que faria um livro ao vivo e encontrou dois aliados: a Widbook, plataforma de escrita e leitura de livros, e a editora Rocco.

No ano passado, durante um mês, de segunda a sexta, na mesma hora, ele sentou na frente do computador, ligou a câmera, iniciou um hangout e se pôs a escrever. Do outro lado, leitores podiam assisti-lo, ver suas reações (“Eu chorava e eles riam de mim”), suas caretas e empolgação e, paralelamente, ler, em tempo real, o que ele estava escrevendo. Às sextas, ele ficava mais uma hora batendo papo com os leitores. Escreveu 30 mil palavras. Não voltou para retocar o texto, enquanto todo mundo dormia. No mês seguinte, arredondou o trabalho, acrescentou outras 20 mil palavras e escreveu o desfecho. “Minha Vida Cor de Rosa #SQN” foi publicado em e-book.

Ana Martins, gerente da Rocco Jovens Leitores, diz que esta foi a primeira vez que a casa editou um livro com o compromisso de não alterar muito o conteúdo. “Na versão interativa, correções diárias só ortográficas e de digitação. Acertos na edição ficaram reservados aos capítulos finais, os inéditos. Podia dar tudo errado. #SQN”, brinca. E completa: “Felizmente, Vinicius dominou o fio condutor desde os primeiros capítulos”. A Widbook também se lançou em algo inédito. “Mesmo sendo uma plataforma que sugere mudanças no processo da escrita, a proposta nos surpreendeu. Parecia quase impossível”, diz Joseph Bregeiro, CEO e fundador da empresa.

Vinicius conta que a obra teria sido outra se não fosse pela interação. “Eu pensava o tempo todo em como surpreendê-los”, conta. Se descobriam muito rapidamente qual era seu plano, ele mudava o caminho. Cenas foram reescritas. O assassino mudou. E uma das leitoras mais cri-cris, que não deixava nenhum erro passar batido, virou personagem. Os vídeos ainda estão no YouTube e o texto original, no Widbook. Aliás, para quem quer mesmo saber como é o processo de escrita e edição, vale comparar as duas versões.

Ele quer fazer de novo, mas hoje diz que mudaria a segunda etapa. “Entendo que a internet seja frenética, que o público queira novidade, mas a literatura tem outro tempo. É preciso deixar o livro amadurecer.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Posso ajudar?