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ESPAÇO AAPAH – Homenagem da Gaviões da Fiel e a imagem de Guarulhos

Como foi noticiado em toda imprensa, a Escola de Samba Gaviões da Fiel homenageou a cidade Guarulhos no seu enredo com o título “Guarus – Na Aurora da Criação, a Profecia Tupi… Prosperidade e Paz aos Mensageiros de Rudá”. Assim analisarei a criação artística que envolveu a produção da sinopse e enredo, a composição do samba enredo e, finalmente, o desfile, pincelando reflexões em torno de como nos vemos (moradores ou nascidos em Guarulhos) e como nos veem.
 
Na sinopse não há qualquer citação ao nome Guarulhos, a criação do carnavalesco Sidney França é uma fábula incluindo os índios Guarus pela geração do deus Tupã, numa terra abençoada. Esse local pode ser entendido por Guarulhos, mas como dito não há citação do nome completo, mas apenas Guaru. 
 
Guaru era o apelido dado aos indígenas que frequentavam o território que será conhecido como Guarulhos, de maneira nômade, os Maromomis. Eram apelidados assim devido a sua feição “barriguda”, referência a um espécime de peixe chamado também de “Guaru”, ou “barrigudinhos”, muito comuns nos rios da região. Vale lembrar que tanto Guarus, quanto Maromomis, eram nomes dados pelos índios Tupis, em maioria na região, registrado assim pelas crônicas seiscentistas e setecentistas no Brasil colônia.  
 
A escolha artística feita pela escola de samba foge da opção de um enredo histórico e sociológico. Este tipo de elaboração é interessante, mas pode cair em algumas armadilhas do senso comum como a visão de todos os povos indígenas como iguais, como aquela velha máxima de povo guerreiro.
 
A estrofe de apresentação do samba enredo diz “Anauê, sou índio guerreiro, sou Gavião (eu sou)… Linda Jaci que clareia… A “tribo alvinegra” em sagrada missão”. Anauê é uma saudação tupi, algo como “você é meu irmão”. Os Maromomis eram do tronco Macro-Jê, com língua diferente dos Tupis de Piratininga. Claro, há a liberdade artística, mas são nesses pormenores que se definem as características de um povo.
 
O desfile foi aberto por um carro abre-alas imponente, as alas foram dividas em setores: ‘Os Segredos de Tumé Arandu e a Grande Profecia Tupi’, no primeiro a abordagem intitulada “No Dilúvio de Fogo, a Ira de Tupã… Ritual de Purificação”. Em seguida no segundo setor “No Ressurgimento da Vida Resplandecem os Guarus, os Mensageiros de Rudá!”. Em um terceiro momento “A Maldição Dourada… Eis o Ciclo do Ouro e a Missão da Pele Escura na Terra dos Guarus”. O penúltimo setor abordou “Bons Ventos Trazem a Bonança… A Esperança na Prosperidade e Nos Novos Tempos” e o setor derradeiro trouxe “O Presente e o Futuro Se Encontram na Terra dos Guarus… Um Futuro de Progresso e Paz… Cumpre-se a Profecia no Meu Carnaval!”. Como dito no começo representou uma fábula que finalizou em alguns acontecimentos históricos de Guarulhos como a chegada dos escravos negros, a extração de ouro, o trem e vinda do aeroporto internacional.
 
Para o guarulhense que assistia o desfile foi difícil encontrar Guarulhos, na transmissão televisiva em todo momento se falava que era uma homenagem à cidade, mas não ficou nítido isso nos adereços e fantasias. Até na questão indígena ficou muito generalista e as características do povo maromomi não ficou visível, por exemplo, esse povo quando capturado não tentava fugir, pois era uma honra ser devorado por guerreiros.
 
Em questão de marketing para cidade foi uma divulgação do seu nome, mas não apresentou características diferentes do já conhecido pelas pessoas de fora, como o aeroporto, já que muitos resumem Guarulhos como local de passagem apenas. A própria evolução dos “guarus” fica confusa, a terra abençoada de um povo indígena evoluiu para um local de progresso, mas para onde foram esses nativos? O aeroporto, a energia elétrica não são fatos trazidos pelos “guarus”. 
 
Essa confusão deixou de problematizar o dito “progresso” com o sumiço dos povos indígenas. O desfile mostrou uma cidade de Guarulhos para quem conhece de fora, mas faltou apresentar muitos fatores culturais e históricos importantes dentro do próprio recorte escolhido pelo carnavalesco. A parte do progresso pareceu mais para agradar o patrocinador Gru Aiport, pois quem banca quer aparecer, este é um desafio da indústria cultural, que a Gaviões não conseguiu fugir. 
 
Para uma cidade em que existem escolas de sambas locais fica um conselho para os administradores do aeroporto: a promoção da cultura local pode servir de marketing e também de contrapartida para os guarulhenses obrigados a conviver com os problemas de uma cidade aeroportuária. Com uma verba destinada para o carnaval local poderíamos ver a beleza do Mirante do Nhangussu, o pioneirismo do Cecap e da Represa do Cabuçu são alguns exemplos para mostrar para fora (e dentro) da cidade, mas principalmente, expressar na forma de arte o legado diverso dos povos que conformam este município.
 
 
Jornalista, responsável pela assessoria de comunicação da AAPAH, coautor dos livros “Guia Histórico Cultural de Logradouros – Lugares e Memórias de Guarulhos” e “Signos e Significados em Guarulhos: Identidade – Urbanização – Exclusão”.

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