O livro Guarulhos cidade símbolo é esboçado em uma conjuntura muito particular. A produção, financiada por meio do mecenato industrial, do patronato e do Poder Público, tem o objetivo de vislumbrar a cidade que se potencializava aos olhos da elite. Cabe aqui uma digressão rápida sobre a Guarulhos vista por Adolfo Vasconcelos Noronha.
Em 24 de março de 1880, Guarulhos é elevada à condição de vila, deixando de pertencer a São Paulo. Elege, no ano seguinte, a primeira Câmara de Vereadores. Pode-se perceber, a partir das primeiras atas da cidade, a instalação de uma série de comércios, como de secos e molhados, assim como as idas e vindas da política, com a tentativa de se institucionalizar o poder local.
É possível, olhando o legislativo, observar o município se organizando. Em 1884, é estabelecida a colocação de lampiões pela cidade. No final do século XIX, com a saída do Bairro Penha de França e Juqueri, Guarulhos se reorganiza num espaço, cujas fronteiras são desconhecidas ao olhar das elites. Alguns anos depois, em 1913, a Light e Power se torna executora dos serviços de iluminação. Junto com a iluminação, a pavimentação e o estabelecimento do ramal da Tramway Cantareira em 1915.
Por meio dos documentos, notamos o município se organizando em torno do comércio de bens de consumo; surge a produtora de tijolos Cerâmica Paulista, em 1911; o Matadouro, responsável pelo abastecimento de carnes da cidade, em 1929; o primeiro Grupo Escolar de Guarulhos, em 1926.
Na década de 1930, com a chegada de alguns imigrantes, Guarulhos sofre um primeiro processo de reordenamento do seu centro: sai a Igreja do Rosário e entra o espaço do Clube Recreativo, voltado à elite detentora do controle local.
Até 1940, temos uma cidade em um processo de transformação muito lento e disperso. Percebemos que o núcleo central é o beneficiário das políticas da jovem localidade, como, por exemplo, nomear ruas. Até esse momento, é amparado na chegada de imigrantes italianos, japoneses, portugueses e libaneses que o Poder Público vai constituir, portanto, a orientação de suas políticas.
Reconhecemos assim a primeira fase do desenvolvimento industrial em Guarulhos. Datada entre o final do século XIX até meados da década de 1940, marcada pela produção na Ponte Grande, Vila Augusta, Porto da Igreja e região, dependente de São Paulo e controlada principalmente por imigrantes.
É a partir de 1950 que se inicia um processo de crescimento econômico e populacional. A chegada de novas empresas convive com a crescente migração populacional que duplica a população em dez anos: de 40.000 em 1950, a cidade já contava com 100.000 pessoas nos anos 60.
Nesses dez anos, Guarulhos vai receber uma série de equipamentos que visavam estabelecer uma institucionalidade jurídica e existência política para o município: em 1951 é instalada a Santa Casa; em 1951, o caminho São Paulo-Rio é inaugurado com duas pistas (atual Via Dutra); em 1953, a primeira comarca da cidade, com a nomeação do primeiro juiz de direito; 1954-55, a primeira agência bancária e agência do Correio; em 1956, o primeiro Cartório; a organização dos rotarianos em 1958 e do sindicato de trabalhadores, os dos Condutores de Veículos Rodoviários.
Os grandes loteamentos e projetos de arruamento tomam corpo. Bairros distantes do centro como Cumbica, Taboão, Vila Fátima e Vila Rio iniciam processo de ocupação urbana.
Além dessa transformação, a cidade se torna rota obrigatória de comércio e transporte, tendo a rodovia Presidente Dutra como principal acesso de mercadorias.
Mesmo com esses números animadores a cidade ainda precisava conviver com uma série de questões sociais que contradiziam esse panorama otimista. Por exemplo, contava-se com apenas dois carteiros e um único serviço de correio; havia uma distância enorme entre os núcleos populacionais; a cidade convivia com a falta de água, além de outros problemas. Podemos entender que esses números potencializam o surgimento de uma elite econômica e política gestada antes de 1940. Vinculada aos imigrantes e relacionada principalmente às atividades comerciais e industriais da cidade de Guarulhos, essa elite começa a se reunir e a se encontrar, potencializando-se como interlocutora de necessidades prementes daquele momento. Mais asfaltos, melhor abastecimento, incentivos, etc. Um deles: construir uma narrativa histórica para o passado local.
Um passado para quem estava ali estabelecido. Uma tradição para aqueles que adentram o município com o maquinário e a modernidade. Um signo que servirá como mote para a burguesia local: “A Cidade Progresso”.
Nessa tarefa, se converge nos escritos um esboço do futuro “glorioso” que espera Guarulhos. A comemoração do IV Centenário procurou catalisar esses sentimentos.
Tiago é Historiador, diretor geral da AAPAH, coautor dos livros “Cecap Guarulhos – Histórias, Identidades e Memórias”, “Guia Histórico Cultural de Logradouros – Lugares e Memórias de Guarulhos” e “Signos e Significados em Guarulhos – Identidade – Urbanização – Exclusão”.