Quando pegamos a Estrada Guarulhos-Nazaré, a partir do bairro do São João, indo ao sentido da mineradora Paupedra, é nítido observar como a cidade muda rapidamente. Bruscamente e violentamente. Em um dos seus textos mais famosos, “Sobre o Conceito de História”, Walter Benjamin (1892-1940), importante pensador alemão, nos prima com análise sobre o tempo e a história. Para o autor, a experiência do sujeito com os impactos do mundo moderno e o ímpeto do desenvolvimento, promove um desarranjo entre a apreensão dessa experiência e o tempo necessário para compreendê-la. Altera-se rapidamente a percepção da realidade e a maturação dos processos. A experiência antes marcada pela tradição e pelo legado deixado ao presente, passa a ser tragada pelas exigências do progresso em que o futuro é imperativo.
Mesmo com a catarse de cenas e paisagens que transmutam, não há como esconder a desolação e o temor. Para Benjamin, o discurso da modernidade insiste em olhar o passado como fragmentos que o progresso deixa para trás nos levando ao explendor do futuro que é sempre irresistível, apesar da ruína que deixa e das incertezas na próxima esquina.
Essa experiência pode ser percebida por qualquer pessoa utilizando o Google Earth e comparando as imagens da Serra da Cantareira, um dos últimos bastiões de Mata Atlântica no Estado. Numa sequência de 17 anos , podemos observar as mudanças promovidas por ocupações desregradas, grilagens toleradas e as grandes obras com seus dejetos e impactos. O Rodoanel trecho Norte talvez seja o exemplo mais explícito do descalabro que tomou conta da nossa cidade no que diz respeito ao planejamento urbano, pois ameaça a nossa floresta e as comunidades do entorno com o quase consentimento das autoridades municipais.
A irresponsabilidade da gestão do prefeito Sebastião Almeida nos levou uma situação impensável. Apesar de abundantes recursos que poderiam ser revertidos para projetos na cidade, pouco ou quase nada foi utilizado. Ao mesmo tempo, a inércia do antigo prefeito e de órgãos reguladores promoveu um caos na vida de pessoas que moram nos bairros do Cabuçu, Recreio São Jorge, Vila União e Residencial Bambi. O trânsito de caminhões pesados transformou estradas que já não eram as melhores, em verdadeiras pistas de rallys, causando inclusive mudanças de itinerários nos ônibus destes bairros.
Outro agravante é a falta de transparência em ações de mitigação do impacto ambiental. Apesar da denúncia de ONGs como Associação Ambiental e Cultural Chico Mendes e o Movimento Cabuçu, a antiga gestão no papel do antigo secretário do Meio Ambiente deu pouca importância a essas questões, se preocupando, essencialmente, com orquidários e, a exemplo de Narciso, com o próprio espelho.
Para a AAPAH é ainda mais intrigante, pois o trecho do Rodoanel Norte está a menos de 500 metros de dois importantes bens tombados pela municipalidade: Igreja Bom Jesus da Cabeça, no Cabuçu e o Sítio da Candinha, no Bananal. No caso da Candinha causa-nos espanto que podendo se estabelecer um aporte financeiro, a Prefeitura Municipal de Guarulhos tenha ignorado os apelos da Sociedade Civil para realizar um projeto que restaurasse um dos últimos vestígios da arquitetura colonial na regiâo metropolitana. Ainda que tenha que ser louvado o acordo de cooperação com Universidade de Guarulhos, é um escárnio que este projeto não possa ter encabeçado uma ação emergencial que utilizasse os repasses proveniente da obra Rodoanel, no formato de um fundo como previsto no Termo de Ajustamento de Conduta.
Para além do choque de observar o sumiço das árvores, nota-se também que em alguns lugares, a floresta insiste em sobreviver e se renovar. O que resta da nossa Mata resiste em meio a força aniquiladora de máquinas e dinamites que esmagam tradições locais. É de pensar também nas pessoas que estão no caminho da “modernidade”, obrigadas a serem “assentadas” ou tendo sua propriedade desapropriada, vivendo e sofrendo em meio ao caos criado por outros. Os valores infímos pagos a maioria das famílias impactadas pelo Rodoanel, nos leva a pensar que a vida é mais difícil quando não se tem o sobrenome Assis de Almeida.
A pergunta que fica e precisa ser respondida é o que a atual gestão Guti pensa sobre isto e necessariamente, quando estes recursos serão usados na nossa cidade como compensação ambiental?
Tiago é historiador, diretor geral da AAPAH.