Sanatório São Paulo é inaugurado como uma instituição para tratamento de doentes mentais. E logo em seguida, em 5 de junho de 1931, é adquirido pelo Estado e transformado no Sanatório do Padre Bento (SPB), para internação compulsória e tratamento de leprosos, contando naquela data com 83 pacientes.
“Minha hipótese é que com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina coletiva para uma medicina privada, mas justamente o contrário: que o capitalismo, desenvolvendo-se em fins do século XVIII e início do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de produção, força de trabalho. O controle da sociedade pelos indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política. A medicina é uma estratégia bio-política.”
O sanatório era apresentado como o que havia de mais moderno e até mesmo humano no combate à lepra, mas de fato o Padre Bento e, consequentemente, Guarulhos serviram como uma espécie de apêndice para o desenvolvimento da cidade de São Paulo, um local onde as elites e o governo paulista acomodavam aquilo que não era mais bem-vindo dentro do ideal de modernidade e de trabalho trazidos com os edifícios e com as fábricas dos anos 1920 e 1930.
O Sanatório do Padre Bento contava com uma vila de moradias, um prédio que abrigava a caixa beneficente, cinema, teatro, biblioteca, cassino, salão de baile, barbearia, campo de futebol, chácara para a criação de gado, laboratórios, sala para palestras e escola profissional, constituindo um complexo com aproximadamente 340 mil metros quadrados.
Destaca-se o campo de futebol, com medidas oficiais, o que traz uma dimensão do tamanho do Padre Bento. Os pavilhões eram divididos por sexo com quartos coletivos, hall, sala de estar e saguão.
Essa infraestrutura não era comum nos demais leprosários do Estado de São Paulo. Aliás, o Padre Bento pode ser tido como uma exceção em vários sentidos.
Lá não se encontravam pacientes em um estágio tão avançado da doença, com o corpo deteriorado em demasia. Também era o único leprosário onde havia um pavilhão só para menores e uma área de lazer tão grande, com belos monumentos arquitetônicos. Além disso, a questão de classe estava presente. Nos depoimentos de dois ex-internos, Sr. Arnaldo e Sr. Ivan, e o do ex-funcionário do Departamento de Profilaxia da Lepra, Sr. Domingos, chama a atenção o apontamento de que lá havia filhos de engenheiros, empresários e até mesmo o dono de um entreposto de café.
Ivan Canoletto Rodrigues é mestre em História, associado da AAPAH, coautor do livro “Signo e Significados em Guarulhos: identidade, urbanização e exclusão” e autor de “Chagas da Exclusão”.