Variedades

ESPAÇO AAPAH – Transporte sobre trilhos volta a Guarulhos trazendo velhas controvérsias

Pouco mais de 50 anos após a desativação do Ramal de Guarulhos da Tramway, conhecido como Trenzinho da Cantareira, a cidade de Guarulhos, segunda maior do estado, volta a receber um transporte de linha férrea. Trata-se da linha 13-Jade da CPTM, que liga São Paulo ao aeroporto de Guarulhos.
 
É possível encontrar semelhanças nas motivações políticas e econômicas que levaram as instalações da Linha 13-Jade da CPTM e do “seu avô”, o Trenzinho da Cantareira, da Tramway.
 
Criado no final do século XIX, a Tramway chega a Guarulhos em 1915, com a Estação Vila Galvão, posteriormente sendo ampliada com a criação de mais quatro estações (Torres Tibagy, Gopoúva, Vila Augusta e Guarulhos-Centro). Apesar de transportar passageiros, o principal objetivo da linha era o transporte de mercadorias, levando os tijolos e as cerâmicas produzidos na cidade, principalmente na Vila Galvão, além de escoar a produção hortifrutigranjeira para o mercadão municipal de São Paulo. Mais tarde, a linha foi estendida novamente, para transportar, duas vezes ao dia, oficiais para a base aérea de Cumbica. O transporte de passageiros entre a zona norte de São Paulo e Guarulhos estava mais para uma espécie de efeito colateral do que para objetivo deste projeto.
 
A nova linha da CPTM conta com apenas três estações: Aeroporto-Guarulhos, Guarulhos-Cecap e Engenheiro Goulart (na Zona Leste de São Paulo), onde haverá integração com a linha 12-Safira da CPTM. A falta de maior número de estações dentro da cidade e de perspectiva da expansão desse número, ou a não intenção de propiciar a chegada de outras linhas do Metrô ou da CPTM denotam uma intenção parecida com da Tramway, a de beneficiar pequenos grupos em detrimento da população de Guarulhos que sofre com grandes problemas de mobilidade urbana.
 
A ideia parece apenas a de ligar a capital São Paulo ao aeroporto de Guarulhos, aeroporto esse que também tem como maior finalidade o transporte de cargas e nada rende em arrecadação para a cidade já que foi feita a concessão de sua exploração. Guarulhos vem sendo pensada como cidade estratégica do ponto de vista logístico no transporte de mercadorias há tempos, pela posição geográfica privilegiada e por ser cortada pelas principais rodovias do país. 
 
Sem falar no atraso de, praticamente, três anos na inauguração dessa linha, seu alto custo e o fato de estar sendo inaugurada, poucos dias antes do Governador Geraldo Alckmin se descompatibilizar do cargo para disputar o pleito presidencial, transformando tal evento de entrega e inauguração em ato de campanha política.
 
A locomoção das pessoas e o direito a cidade vêm sendo secundarizados, e pior, parece que neste momento de polarização política e intolerância, parte das pessoas que se entendem como “classe média” e veem o povo como uma massa amorfa a qual não se sentem pertencentes (equivocada e preconceituosamente), concorda com a ideia de que esse tipo de transporte não deve servir a população, pois facilitaria o acesso dos mais pobres e de “bandidos” a lugares que não são, nem devem ser, seu habitat. Pensando a cidade de maneira excludente, sitiada por uma divisão de classe e de etnia. Isso se manifestou nos comentários de notícias em vários portais, as quais destacam a matéria “Trem que liga Zona Leste de São Paulo ao aeroporto de Guarulhos começa a circular amanhã”, publicada no portal UOL em 30/03/2018.
 
Os trilhos voltaram a Guarulhos, a cidade que, para a maior parte de sua população, insiste em não “entrar nos trilhos”. Trilhos que jamais deveriam ter sido abandonados, mas o projeto rodoviarista dos anos 50, que visava beneficiar as grandes montadoras de automóveis e as, hoje, tão famigeradas empreiteiras, fez questão de atropelar. Enquanto Alckmin faz sua campanha e parte das elites comemora, pessoas devem estar lendo esse artigo, paradas dentro de algum ônibus lotado, no Trevo de Bonsucesso.
 
Diretor adjunto da AAPAH, mestre em História pela PUC-SP, coautor do livro “Signo e Significados em Guarulhos: identidade, urbanização e exclusão” e autor de “Chagas da Exclusão”.
 
 

Posso ajudar?