Dados do Censo 2010 revelam que 23,9% da população brasileira – cerca de 45,6 milhões de pessoas – têm algum tipo de deficiência. E desse total, quase 18 milhões apresentam as formas mais severas. Tanto o percentual quanto o número absoluto surpreenderam, pois o Censo anterior mostrava pouco mais de 14,5% da população com deficiência e as projeções de técnicos e entidades do setor estimavam encontrar perto de 30 milhões de pessoas nesta nova pesquisa.
O espanto inicial foi logo substituído por uma pergunta: o que explicaria este aumento inesperado? As hipóteses são muitas. É fato que a violência urbana tem aumentado exponencialmente, seja em termos de ferimentos causados por armas de fogo ou computando-se as vítimas de acidentes, com destaque para os casos envolvendo motocicletas. Mas, ainda que seja um fenômeno comprovado, este não seria suficiente para causar um crescimento estatístico tão agudo.
Outra possibilidade – esta bem mais positiva – é que estejamos diante de uma mudança comportamental, impulsionada por avanços no campo da inclusão ocorridos na última década, como a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, a efetiva fiscalização do cumprimento da Lei de Cotas no trabalho e a criação Brasil afora de secretarias e outras instâncias políticas dedicadas à inclusão.
Assim, o Censo 2010 pode estar apenas sinalizando que, no momento em que o cidadão percebe que seus direitos começam a ser respeitados, pode assumir com mais dignidade a sua condição. Talvez muitas pessoas que há dez ou vinte anos tenham deixado de declarar a deficiência, passaram agora a fazê-lo.
A resposta a essas dúvidas ainda vai requerer estudos mais aprofundados, mas esses números trazem um alerta: será inevitável articular os poderes municipais, estaduais e a federação para adequar projetos e rever medidas, inclusive aquelas anunciadas no Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que prevê investimentos de R$ 7,6 bilhões. Esta é uma tarefa sobre a qual toda a sociedade brasileira terá de se debruçar.
Mas esta não é uma má notícia. Para quem participou ativamente da luta pelo reconhecimento dos direitos dessa parcela da população, é impossível não se emocionar pelo tanto que foi conquistado.
Há 30 anos, guias rebaixadas, transporte adaptado e educação inclusiva eram reivindicações tidas como de uma minoria e não estavam na agenda dos governantes. Agora sabemos que não podem ser menosprezadas, pois interessam a um quarto das famílias brasileiras.
Linamara Rizzo Battistella
Médica fisiatra e secretária de Estado dos Direitos das Pessoas com Deficiência.