São Paulo, 27/11/2016 – A vida particular do guerrilheiro que se tornou uma das figuras mais conhecidas do mundo, depois do triunfo de Sierra Maestra contra Fulgencio Batista, foi um dos segredos mais bem guardados nesses mais de 50 anos da Revolução Cubana. Hábitos pessoais, relações com os pais, amores – do casamento, com lua de mel em Miami, às uniões posteriores, passageiras ou estáveis – quase nada aparecia no noticiário.
A imagem do comandante em chefe, primeiro-ministro e presidente da República de Cuba foi sempre muito divulgada, mas ele escondeu a intimidade como um mistério inacessível.
Fidel Alejandro Castro Ruz nasceu em 13 de agosto de 1926 no povoado de Birán, Província de Holguín, região sul-oriental da ilha, antiga Província de Oriente. Birán era uma fazenda, com um punhado de construções muito pobres e uma casa de estilo espanhol. Seu pai, Angel Castro y Argiz, era um imigrante da Galícia que, após ter lutado pela Espanha na Guerra da Independência, no fim do século 19, voltou para Cuba.
Casado duas vezes, teve dois filhos da primeira mulher e sete da segunda, Lina Ruz González, cubana também de origem galega, que trabalhava como doméstica para a família quando ele ficou viúvo. Fidel era o sexto dos nove irmãos – ou o quarto do segundo casamento, do qual nasceram também Raúl e Juana.
Angel morreu em 1956. Não era milionário, mas foi um próspero produtor de cana-de-açúcar. Tinha 800 hectares de terra boa e mais uns 10 mil hectares arrendados, numa área menos fértil, na qual se criava gado e se explorava madeira. Quando a propriedade foi nacionalizada para a reforma agrária, Lina e seu filho mais velho, Ramón, ficaram furiosos e protestaram.
Fidel foi muito ligado à mãe, até a morte dela, em 1963, e um pouco distante do pai, a quem raramente se referia. Juanita não se conformou com a perda da fazenda, discordou de outras medidas revolucionárias e partiu para o exílio nos Estados Unidos, onde passou a fazer acusações ao regime comunista cubano e ao irmão.
Fidel ganhou esse nome em homenagem a um amigo rico da família que deveria ser seu padrinho de batismo, mas não foi, pois acabou sendo substituído pelo cônsul do Haiti em Santiago de Cuba, que se chamava Luís. Recebeu o sacramento quando já tinha 5 ou 6 anos de idade, porque não havia igreja em Birán.
A mãe era devota, recitava o rosário e tinha imagens de santos em casa. O livro “Fidel e a Religião”, de Frei Betto, que registra revelações exclusivas do comandante, retrata sua passagem por colégios católicos dos irmãos lassalistas e dos padres jesuítas.
Formação
Em 1940, o jovem Fidel, então com 14 anos, escreveu em inglês sofrível uma carta a Franklin D. Roosevelt, cumprimentando-o pela sua reeleição para mais um mandato na presidência dos EUA. Foi além dos cumprimentos. “Se o senhor puder, me dê uma nota verde de 10 dólares americanos”, pedia. A Casa Branca acusou, protocolarmente, o recebimento da carta, mas esqueceu os dólares. O fac-símile do texto assinado por Fidel foi divulgado, em 1975, pelo Arquivo Nacional de Washington.
No Colégio Belén, em Havana, onde estudou de 1942 a 1945, Fidel destacou-se entre os colegas. Os jesuítas elogiaram seu desempenho no Anuário Escolar, que o diretor mostrou ao jornalista americano Herbert Matthews em 1959. O texto dizia o seguinte: “Fidel distinguiu-se sempre em todas as matérias relacionadas com Letras. A sua folha é excelente. Era um verdadeiro atleta, defendendo sempre com orgulho e pundonor a bandeira da escola. Soube como conquistar a admiração e o afeto de todos. Fará do Direito a sua carreira e não duvidamos de que ele preencherá com páginas brilhantes o livro de sua vida. Tem magníficas bases e o ator que existe nele não deixará de se fazer presente.”
Se era uma profecia, Fidel não acreditava nela. Era já um sujeito rebelde e só entrou na Faculdade de Direito da Universidade de Havana, porque não encontrou um curso mais de seu gosto, como recordaria mais tarde. “Pergunto a mim mesmo por que estudei Direito. Ainda ignoro. Mas atribuo-o em parte aos que diziam ele fala pelos cotovelos. Tem toda a pinta de advogado. Vai ser advogado, com certeza, porque eu argumentava e discutia, eles me fizeram crer que estava qualificado para ser advogado…”
Autocrítica
Fidel não se considerava um bom estudante, conforme admitiu numa declaração registrada por Theodore Draper em seu livro “Castroism”. Matava aulas e só estudava na véspera de provas, mas concluiu o curso com brilhantismo. Destacou-se ao fazer a própria defesa quando foi julgado por ter liderado o ataque ao Quartel de Moncada, em Santiago de Cuba. “A História me Absolverá”, sua peça de defesa, tornou-se obra revolucionária.
Moncada foi o primeiro episódio de destaque na carreira revolucionária. O assalto ao quartel ocorreu no dia 26 de julho de 1953. As tropas de Batista rechaçaram os 120 rebeldes comandados por Fidel, na maioria estudantes da Universidade de Havana. Fuzilaram uns 80 deles, mas pouparam os líderes, por ordem do ditador. Fidel tentou fugir para Sierra Maestra, mas foi preso e mandado para a Ilha de Los Pinos, condenado a 15 anos de detenção.
Fulgencio Batista atribuía vários homicídios a Fidel. Em entrevista a Herbert Matthew, em 1957, ele disse que não seria possível um acordo “após todos os crimes que esse homem, Castro, cometera desde os tempos de estudante, quando matara dois homens”.
O jornalista americano checou a acusação, mas não encontrou provas de que Fidel tivesse participado de assassinatos, entre eles a morte de meia dúzia de padres no Bogotazo, a rebelião sangrenta de 9 de abril de 1948 em Bogotá. A Scotland Yard britânica, que investigou a sublevação a pedido da Colômbia, confirmou a presença de dois cubanos (Fidel e seu colega Rafael del Pino), mas não que tivessem matado alguém.
Subversão
Fidel era um estudante rebelde. Em 1947, alistou-se numa expedição de dominicanos e cubanos para invadir a República Dominicana e derrubar o ditador Rafael Leónidas Trujillo. Embarcou de metralhadora nas mãos e, quando o navio em que viajava foi interceptado, pulou no mar e nadou até a praia para escapar à prisão.
No ano seguinte, casou-se com Mirta Diaz-Balart, filha de um funcionário público, na igreja católica de Banes, na antiga Província de Oriente. Passaram a lua de mel em Miami e tiveram um filho, também chamado Fidel e mais conhecido como Fidelito, que nasceu em setembro de 1949. O casal se separou após o assalto de Moncada, quando o comandante cumpria pena. Mirta casou-se de novo, mas Fidel não, embora tenha tido muitas namoradas.
Durante os 22 meses que passou na prisão, quatro deles numa solitária, deu aulas de economia política aos companheiros e escreveu cartas, mais tarde publicadas como “Cartas do Presídio”, algumas endereçadas a Natalia Revuelta, uma de suas paixões. Casada com um cardiologista de Havana, teve uma filha com Fidel – Alina Fernández Revuelta – que deixou Cuba em 1993 e foi viver na Espanha, onde denunciou a “ditadura implacável” do pai. .
“Apaixono-me com muita facilidade, mas atualmente de modo mais platônico”, disse Fidel a um grupo de jornalistas quando tinha 70 anos. Uma de suas namoradas foi uma cubana chamada Lília, que vivia na Cidade do México. “O plano de Fidel era esposar Lília e levá-la com ele na expedição (Granma)”, revelou Teresa Caruso, então funcionária da Embaixada de Cuba, em seu livro “Cuba e Castro”. O romance só durou um mês. A moça ficou para trás, quando Fidel embarcou no iate Granma, com mais 81 rebeldes, em 1956.
Em Sierra Maestra, Fidel conheceu Célia Sánchez, que se juntou ao pequeno número de rebeldes. Única mulher do grupo, ela tinha ligação íntima com o comandante, mas nunca se soube até onde chegaram suas relações. Nos anos seguintes ao triunfo da Revolução, era na casa da companheira de luta que o presidente de Cuba se hospedava, em Havana. Era a sua “base familiar”, que revezava com vários “locais de dormir”.
Quando Fidel ficou doente, em julho de 2006, não se divulgou onde se encontrava. Ficou internado num apartamento que tanto podia ser o de um hospital como o de uma casa equipada para o tratamento de saúde. Questão de segurança. Fidel sofreu dezenas de tentativas de atentados – pelo menos 300, conforme ele revelou – desde o dia em que desfilou em cima de um tanque pelas ruas de Havana, em janeiro de 1959. (José Maria Mayrink) As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.