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Especialista investiga obra de Kenzo Mizoguchi, que ganha retrospectiva no IMS

Maior especialista japonesa na obra de Kenji Mizoguchi, Chika Kinoshita virá ao Brasil para ministrar, no dia 6 de março, uma masterclass na retrospectiva do grande diretor que o IMS promove a partir desta terça, 20. O evento vai exibir 18 longas do diretor, em cópias especialmente vindas do Japão – em 35 mm, 16 mm e DCP. Entre os destaques, estão OHaru, A Vida de Uma Cortesã, Amantes Crucificados e Rua da Vergonha. Há também versões restauradas de A Canção da Terra Natal, filme inédito no País, e O Intendente Sansho. E raridades como Oyuki, a Virgem e Senhorita Oyu. É a maior retrospectiva de Mizoguchi realizada no Brasil nos últimos 30 anos.

Mise-en-scène do desejo. É como Chika interpreta o autor, e sua obra. Por e-mail, ela respondeu a algumas perguntas. Todo cinéfilo sabe que a obra de Mizoguchi conheceu uma consagração tardia no Ocidente – foram suas obras-primas na Daiei, nos anos 1950, que iniciaram o culto ao cineasta na França. Jean-Luc Godard foi dos primeiros a se render ao seu encantamento.

A dúvida: Mizoguchi realmente só foi grande nesse final de carreira (morreu em 1956, aos 58 anos) ou essa é uma falsa noção difundida no Ocidente? “Sim e não”, ela responde. “Ele já era um diretor reconhecido no Japão, nos anos 1930. As Irmãs de Gion e Elegia de Osaka foram saudados entre os melhores filmes de 1936 e, no ano seguinte, ele se tornou presidente do Directors Guild. É uma pena que o negativo original de A História dos Últimos Crisântemos, de 1939, tenha se perdido. O filme é considerado a obra-prima daquele período do autor. Mesmo a restauração em 4K não dá conta da sua beleza original. Mas é verdade que, no Japão, os clássicos no estúdio Daiei também são considerados os pontos altos, tanto artísticos quanto técnicos, de Mizoguchi.”

Vindo de uma família modesta, Mizoguchi não teve empecilhos para se tornar diretor, “porque, nos anos 1920, quando ingressou na indústria, a atividade ainda não era prestigiada”, diz Chika. “Começou como gendaigeki, um diretor de dramas modernos e, nos 1950, se concentrou nos extensos painéis históricos. Era genuinamente interessado nesse material de época e, conscientemente, elegeu seus temas no período Meiji, no qual havia crescido, mas há que reconhecer que, desde os anos 1930 e 40, isso lhe permitiu driblar a força da censura vigente no país.”

Os mitos inspiram Contos da Lua Vaga, de 1953, e a realidade mais sórdida, a prostituição, é retratada em Rua da Vergonha, de 1956. Nem parecem filmes do mesmo diretor. “Para mim, esses filmes representam as duas direções que (Mizoguchi) tomou em sua evolução. Foi sempre dividido entre os mitos e a realidade mais dura.”
Ficou famosa no Ocidente uma máxima a ele atribuída e transformada em dogma por Godard: “É preciso lavar os olhos entre dois takes”. O que significa isso? “Esse é apenas um dos mitos que se construíram sobre Mizoguchi no Ocidente. A única coisa que posso dizer é que, nos filmes dos anos 1930, ele se interessava mais pelo hiato ou pelo piscar de olho entre os planos do que pela continuidade.”

A fluidez veio com o tempo. Mizoguchi é anterior ao boom econômico, mas, ao contrário de Yasujiro Ozu, nem ele nem seu roteirista, Yoshikata Yoda, se interessavam por assalariados. “As transformações da família tradicional japonesa se refletem no cinema de Ozu, mas creio que, comparativamente, Mizoguchi deu um testemunho muito forte e rico sobre a mulher na sociedade patriarcal, controlada pelos homens”, avalia Chika.

Sobre a permanência de Mizoguchi, “sua mise-en-scène não se assemelha à de nenhum outro grande diretor, mesmo mestres que, como ele, se orientaram para o uso do plano sequência, como o francês Jean Renoir e o grego Theo Angelopoulos.” E quanto aos temas? “No Japão, ainda vivemos numa sociedade patriarcal e sexista. Para nós, mulheres, é muito fácil nos identificarmos com suas gueixas e prostitutas.”

E o legado de Mizoguchi? “Godard sempre o admirou, Jacques Rivette tentou fazer de A Religiosa a sua OHaru e diz-se muito que George Lucas, em Star Wars, tenha dado a seu personagem mítico o nome do roteirista de Mizoguchi (Yoda).” Mizoguchi segue sendo uma referência? “Com certeza. É o inspirador de importantes diretores contemporâneos, como Shinji Aoyama, Hideo Nakata e Ryusuke Hamaguchi. Todo esse tempo depois de sua morte ainda é um mestre da mise-en-scène.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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