As consecutivas manifestações antirracistas nos Estados Unidos em decorrência da morte de George Floyd, homem negro assassinado durante uma abordagem policial, geraram o posicionamento de diversos esportistas ao redor do mundo. A pressão proveniente das redes sociais por uma tomada de partido jogou luz a um debate sobre a necessidade de posicionamento de atletas. Neymar, por exemplo, não havia emitido sua opinião em relação ao movimento contrário ao racismo antes de o youtuber e influenciador digital Felipe Neto chamar sua atenção.
Esse tipo de conduta, no entanto, é uma novidade. Apesar da necessidade dos fãs de saberem o que pensam seus ídolos sempre ter existido, a pressão e engajamento das redes para obter essas respostas é, de certa forma, recente. Por isso, o Estadão entrou em contato com especialistas da comunicação com o intuito de entender como as empresas, que fazem essa ponte entre ídolo e fã, convivem com essa nova realidade.
Pedro Corrêa, executivo da Triple Comunicação, agência que cuida da imagem de mais de 30 atletas, entre eles Alisson, Dudu, Rodrigo Caio e Diego Tardelli, afirma que a relação entre os esportistas e seus seguidores é construída diariamente e as pessoas que a acompanham sabem de seu histórico de engajamento.
"No geral, a internet e as redes sociais colocaram os fãs e atletas quase que em contato direto. Então, quem acompanha mesmo uma determinada personalidade já sabe o que ela pensa, a sua linha de atuação, alguns de seus hábitos. O seu posicionamento é quase uma consequência da sua atuação no dia a dia. Quem observa esse histórico não fica refém de uma hashtag para saber como seu ídolo pensa, mas estará seguro e saberá avaliar se ele é ativo às causas humanitárias, se prefere ficar mais neutro ao que acontece no mundo, se faz parte de polêmicas ou se, simplesmente, nem liga para redes sociais", explicou.
O especialista defende a liberdade de expressão, mas pondera que a tomada de posicionamento de um atleta tem um peso grande para seus fãs, diferenciando-se de uma mera opinião.
"Como profissionais de comunicação, orientamos os nossos clientes a postarem de maneira consciente e analisar os prós e contras do que cada uma de suas ações podem lhe causar, seja em dano de reputação de imagem, prejuízos financeiros e até dores de cabeça com seus empregadores. Lembramos sempre que, ao contrário de pessoas anônimas, a opinião deles tem um peso muito grande. Não representa apenas o que ele acha sobre um determinado assunto. Ela carrega o sentimento de fãs, cores de um time, respeito aos companheiros, interesses de dirigentes e patrocinadores. Nem sempre esse quebra-cabeça de ideias vai na mesma direção, mas, quando há um entendimento de que o atleta está sendo honesto à sua história e seus valores, o que é primordial, certamente, seu posicionamento será bem recebido por grande parte de seus fãs", disse Corrêa.
Outro fator que fez com que o debate em torno dessa temática se aflorasse nos últimos meses foi o silêncio de Michael Jordan em relação a apoiar ou não a candidatura de Harvey Gantt, em 1990. Isso porque o quinto episódio do documentário "The Last Dance", lançado no início de maio, recordou o acontecimento do século passado.
Gantt, na época, tentava ser o primeiro senador negro da Carolina do Norte, pelo Partido Democrata, e tinha como seu adversário Jesse Helms, político do Partido Republicano favorável à segregação racial. No documentário, Jordan alegou à sua mãe que não defenderia publicamente alguém que não conhece, embora tenha afirmado que ajudou um candidato em sua campanha.
Além do caso de Jordan, outro episódio do passado que ajuda a engrossar o caldo deste debate e está sendo resgatado nos últimos dias é a retomada de movimentos oriundos do futebol pela democracia. Movimentos estes que surgiram com Sócrates, idealizador, ao lado de Casagrande e outros atletas, da chamada Democracia Corinthiana.
Acaz Fellagger, jornalista formado e proprietário há mais de 20 anos da assessoria Fellegger Und Fellegger, que tem como clientes Daniel Alves e Luiz Felipe Scolari, por exemplo, afirma que no passado não havia uma cobrança exacerbada por um posicionamento, mas com advento das mídias sociais, iniciou-se um processo de patrulhamento dessas personalidades.
"Nem sempre o atleta tem uma opinião formada ou possui competência intelectual para falar sobre um determinado assunto. Há casos, que ele simplesmente não quer se posicionar e ele tem esse direito. Porém, a internet e as mídias sociais fazem um patrulhamento em cima de todos. Você é obrigado a se manifestar, é chamado a se manifestar e, por vezes, há uma contradição, quando, mesmo se manifestando, o atleta está errado. Sempre haverá três lados, a favor, contra e neutro e por mais que você se posicione em qualquer um desses espectros você será cobrado", disse o especialista, que ainda alerta para a falta de profundidade dessas discussões.
"É uma discussão rasa, não tem nada de aprofundada. É diferente de um Afonsinho ou de um Sócrates nos anos 70. A internet obriga, mas deve-se respeitar todos. Se um atleta quer se posicionar, nós procuramos entender se ele possui conhecimento do assunto e alertamos que sua fala irá gerar consequências, mas a palavra final é do atleta. Sempre segui essa recomendação, mesmo quando não havia a pressão das redes", explicou Fellegger.
Corrêa acredita que a vontade dos atletas de emitirem suas opiniões seja positiva, já que são exemplos para milhares de fãs. O especialista afirma que o movimento de cobrança que presenciamos hoje não tem volta.
"Acho muito positivo que o atleta tenha voz e queira emitir a sua opinião. É uma corrente crescente, puxada pelos grandes astros e que tem sido acompanhada pelo pessoal mais jovem, que possui mais força. Penso que seja um movimento sem volta e, hoje, está mais do que claro que o trabalho do esportista não se resume ao que faz em campo, mas, também, como se comporta fora dele", disse e acrescentou: "Se olharmos para o cenário atual, 90% dos atletas que estão na ativa, já estão completamente inseridos no mundo digital, os demais 10% já vivem conectados há um bom tempo".