Atentados a tiros vêm dominando a atenção pública em uma frequência perturbadora nos EUA. Cada novo episódio, porém, não enseja uma resposta unificada das autoridades eleitas, mas parece contribuir para uma ampliação da cisão política entre os Estados com relação à política de armas.
"Com esses atentados a tiros, é lavar, enxaguar, repetir", disse Michael Anderson, um barman que sobreviveu a um atentado em uma casa noturna no Estado americano do Colorado. "Eles acontecem, e aí eles acontecem, e aí eles acontecem – e aí nada é feito sobre isso."
Pelo menos nada que tenha refreado a violência.
Em Estados governados pelo Partido Democrata onde já existem leis que restringem o acesso às armas, a resposta dos governantes às tragédias estaduais foram ainda mais limites às armas – reforçando a crença de que atentados futuros podem ser impedidos pelo controle de acesso a armas letais.
Em muitos Estados com legislativos controlados pelo Partido Republicano, parece pouco provável que atentados de grande repercussão ensejem alguma nova restrição às armas este ano – refletindo a crença de que pessoas violentas, não suas armas, são o problema.
"Obviamente, ninguém quer que essas tragédias ocorram, essa perda de vidas, mas a forma como o problema é visto e, portanto, a resposta a esse problema, é uma diferença substancial", disse Daniel Webster, professor de políticas de saúde americanas no Centro Johns Hopkins de Soluções para a Violência Armada.
<b>Atentados a tiros</b>
Pelo terceiro ano consecutivo, em 2022 os EUA registraram mais de 600 atentados a tiros em que pelo menos quatro pessoas foram mortas ou feridas, segundo o Gun Violence Archive, Arquivo de Violência Armada. Este ano teve outro começo fatal, incluindo três atentados a tiros no Estado da Califórnia em apenas uma semana, que mataram mais de vinte pessoas. Um tiroteio no sábado de manhã em um bairro nobre de Los Angeles, que matou pelo menos três pessoas e feriu quatro, aumentou a sinistra contagem. A Califórnia tem algumas das mais rígidas leis de controle de armas no país.
À medida que mais comunidades sofrem, sessões legislativas estão ocorrendo em muitos Estados. Inúmeros projetos de lei relativos às armas foram apresentados, mas não parece haver um denominador comum.
No Estado do Texas, o senador estadual do Partido Democrata Roland Gutierrez convocou uma coletiva de imprensa na semana passada com familiares de algumas das 19 crianças e duas professoras mortas em maio do ano passado na escola Robb Elementary School, na cidade de Uvalde. Eles pediram aos legisladores que aumentem a idade mínima para compra de fuzis semiautomáticos, de 18 para 21 anos, e suspendam as restrições aos processos por negligência contra policiais e órgãos públicos.
"Não se deve permitir que um jovem de 18 anos compre uma arma horrível", disse Felicia Martinez, cujo filho de 10 anos, Xavier Lopez, foi morto no ataque. Ela acrescentou: "Essas leis precisam ser mudadas e precisam ser mudadas hoje, não amanhã".
No entanto, isso parece improvável. Dade Phela, presidente da Câmara Estadual do Texas, disse aos repórteres no começo do mês que não previa apoio suficiente no legislativo controlado pelos republicanos para aprovar projetos de lei que limitem o acesso às armas. O governador republicano Greg Abbott disse que aumentar a idade de compra de rifles semiautomáticos seria "inconstitucional", embora diversos Estados já tenham restrições semelhantes.
A resposta das autoridades texanas, por outro lado, foi destinar US$105,5 milhões (R$543,6 milhões) para iniciativas de segurança escolar e saúde mental.
O Estado do Missouri também parece pouco propenso a promulgar leis mais rígidas de controle de armas depois que um jovem de 19 anos matou uma professora e um aluno, e feriu outras sete pessoas em outubro do ano passado na escola Central Visual and Performing Arts High School, na cidade de St. Louis. A polícia relatou que já havia respondido anteriormente a uma ligação da mãe do rapaz para recolher uma arma que estava em sua posse, mas não puderam fazê-lo porque a legislação estadual não autoriza.
Caso existisse autorização legal, "isso não teria acontecido – pelo menos aquela pessoa, aquela situação, aquela arma, aquela morte, tudo isso poderia ter sido evitado", disse Janay Douglas, cuja filha de 15 anos conseguiu fugir do atirador.
Os democratas apresentaram projetos de lei que permitem às autoridades recolher as armas de pessoas que demonstrem risco de causar danos. As perspectivas, porém, não são boas.
"Não acho que uma lei desse tipo – da forma como a conheço e da forma como foi definida – tenha alguma chance de ser aprovada pelo Senado Estadual do Missouri, sem dúvida", disse o presidente interino do Senado, Caleb Rowden, do Partido Republicano.
O governador do Missouri, Mike Parson, do Partido Republicano, por sua vez, propôs US$50 milhões (R$ 260 milhões) em subsídios para segurança escolar, em resposta ao tiroteio.
No Estado de Oklahoma, que já sofreu diversos atentados a tiros, os parlamentares do Partido Republicano devem pressionar pela flexibilização da legislação de controle de armas. O deputado estadual do Partido Republicano Jim Olsen apresentou um projeto para reduzir a idade mínima para porte de armas, de 21 para 18 anos.
"É um direito constitucional", disse Olsen. "A imaturidade que existe aos 18 às vezes ainda existe aos 22. Então, o que queremos fazer? Aumentar a idade para 25 ou 30? Eu acho que não."
Os parlamentares de Nova York e Illinois, por sua vez, Estados controlados pelo Partido Democrata, tomaram medidas rápidas para impor maiores restrições às armas depois dos atentados a tiros.
Um atirador de 18 anos portando colete à prova de balas e um fuzil semiautomático matou 10 pessoas e feriu outras três em maio do ano passado em um supermercado na cidade de Buffalo, em um bairro de maioria negra. Em menos de um mês, o legislativo e o governador promulgaram leis proibindo menores de 21 anos de comprarem armas semiautomáticas, limitando a venda de coletes à prova de balas e endurecendo a legislação que permite o recolhimento de armas.
O governador de Illinois, J.B. Pritzker, do Partido Democrata, sancionou no início do mês uma lei estimulada em grande parte por um atentado a tiros durante um desfile no Dia da Independência, que matou sete pessoas e feriu dezenas em Highland Park, no subúrbio de Chicago. A lei impede a venda ou a posse de dezenas de tipos específicos de armas semiautomáticas e cartuchos de munição de alta capacidade. Um juiz suspendeu sua eficácia temporariamente em razão de uma ação movida por defensores do direito a portar armas.
No Estado do Colorado, parlamentares estão propondo diversas novas restrições às armas, dois meses depois de cinco pessoas terem sido mortas em uma casa noturna LGBTQ em Colorado Springs. Os líderes democratas vêm demonstrando forte apoio às propostas para endurecer as leis de recolhimento de armas e aumentar a idade mínima para adquirir armas de fogo, de 18 para 21 anos.
Anderson, que trabalhava como barman no Club Q durante o tiroteio, quer que os políticos adotem um maior controle das armas e melhores serviços de saúde mental.
"Depois do que eu passei, e meus amigos, e a nossa comunidade aqui, entende, não fazer nada não é uma opção", disse Anderson.
(Contribuíram para esta matéria redatores da Associated Press: Acacia Coronado, em Austin, Texas; Jesse Bedayn, em Denver; Sean Murphy, em Oklahoma City; Thomas Peipert, em Colorado Springs, Colorado; Sarah Rankin, em Richmond, Virgínia; Gary Robertson, em Raleigh, Carolina do Norte; e Jim Salter, em St. Louis.)