Economia

Estrangeiros ainda devem movimentar mercado de fusões e aquisições no Brasil

Empresas em busca de capitalização por meio da venda de ativos e outras que precisam colocar operações à disposição do mercado no âmbito de uma recuperação judicial poderão encontrar algum alívio a partir dos últimos meses do ano. Diante da expectativa de menor névoa em relação ao cenário político, com a eventual confirmação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, acredita-se que o aguardado fluxo do capital estrangeiro comece a voltar ao Brasil para concretizar negócios envolvendo os mais de R$ 500 bilhões em ativos à venda, segundo cálculos de bancos de investimento.

As negociações estão aquecidas desde o ano passado, mas os anúncios de fechamentos perderam velocidade no primeiro semestre do ano. Agora, no entanto, o ritmo voltou a se acelerar, diz o diretor de Fusões e Aquisições do Bradesco BBI, Alessandro Farkuh. “O ambiente de incerteza postergou a tomada de decisão de uma série de transações. Agora, a névoa está se dissipando”, afirma o executivo. Segundo ele, a carteira de negócios vem crescendo de forma consistente, com vários ativos de qualidade. “Há ativos que eram desejados há muito tempo pelos investidores, que não eram antes esperados para vir a mercado. Com a crise, no entanto, grandes grupos passaram a buscar liquidez em ativos com maior possibilidade de boa venda”, explica. Farkuh destaca ainda que há, nesse contexto, grandes grupos, de dentro e fora do Brasil, que estão aproveitando o cenário para se posicionarem na onda de consolidação no Brasil.

Mas não é só a maior clareza do cenário que está elevando as expectativas para um segundo semestre mais aquecido no mercado de fusões e aquisições. A mudança da alíquota Imposto de Renda (IR) sobre ganho de capital, de 15% para até 22,5%, que passa a valer em 2017 deve antecipar operações ainda para este exercício. “Estamos trabalhando em algumas operações em que os clientes querem fechar de qualquer maneira neste ano, exatamente pelo aumento do imposto sobre ganho de capital”, afirma a sócia responsável pela área tributária de TozziniFreire Advogados, Ana Claudia Utumi.

Na ponta compradora, os estrangeiros estão com musculatura e já começam a avançar no mercado brasileiro, com os chineses mostrando apetite, como já foi visto no setor de infraestrutura. No fim do ano passado, a China Three Gorges (CTG) desembolsou R$ 13,8 bilhões para levar as usinas de Jupiá e Ilha Solteira.

“Desde o início do ano está havendo muitas conversas com estrangeiros, fundos de private equity e companhias nacionais. E nem todas as transações foram fechadas, pois os investidores aguardam um encaminhamento da situação política e a estabilização de números financeiros. Agora, no segundo semestre, os negócios represados vão começar a ser concretizados, indo também para 2017”, destaca o líder responsável por Corporate Finance Advisor da Deloitte, Reinaldo Grasson.

Entre empresas endividadas em busca da redução da alavancagem e, consequentemente, mirando um menor pagamento do serviço da dívida, estão Petrobras, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Usiminas, Cemig, Vale, Gerdau e Odebrecht, sendo que a última precisa dessa saída para tentar evitar um pedido de recuperação judicial. Além delas, uma lista de empresas estatais também deve mudar de dono, tendo em vista o plano do governo de iniciar uma onda de privatizações para diminuir o aparato do Estado e ainda levantar recursos para minimizar o rombo das contas públicas.

Não é de hoje que a expectativa recai sobre o mercado de fusões e aquisições, diante das centenas de bilhões de reais em ativos na mesa para negociação. No entanto, o cenário de incerteza política jogou um balde de água fria e muitas transações ficaram em compasso de espera. No primeiro semestre do ano, por exemplo, o número de operações de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) caiu 29% ante os seis primeiros meses de 2015, com 258 negócios, de acordo com dados do PWC.

Agora, especialistas acreditam em um ponto de inflexão, com compradores e vendedores, enfim, chegando a um acordo, fato que também trará alívio para as companhias endividadas. “Os indicadores econômicos estão mais positivos e se cria mais visibilidade. Há ainda os fatores externos que contribuem, como a postergação do aumento das taxas de juros nos Estados Unidos”, afirma Grasson, da Deloitte.

“Criou-se um ambiente propício com a desvalorização do real, empresas com elevado endividamento e ainda companhias pedindo recuperação judicial, com as stressed assets presentes”, afirma o sócio da área de Societário do Barbosa, Müssnich, Aragão (BMA), Carlos Frederico Bingemer. Segundo ele, o setor de infraestrutura no Brasil é um dos que mais vem despertando o maior interesse dos investidores. “Prevemos um segundo semestre ainda mais aquecido do que o primeiro”, destaca.

Oportunidades

Renato Soriano, da Rosenberg e Partners, conta que o mercado de fusões e aquisições no Brasil já começou a destravar. “Ainda não estamos em uma fase em que se vende qualquer ativo, mas já começamos a ver o fundo do poço para trás”, afirma. Segundo o especialista, é possível notar empresas que querem ampliar a presença no Brasil e outras que estão buscando musculatura com o movimento de consolidação. “O Brasil é um mercado importante que não vai deixar de existir, há boas oportunidades”, afirma.

Bingemer, da BMA, lembra que há planos de recuperação judicial importantes em curso no País e que, sem dívida, as fusões e aquisições fazem parte dos pilares de grande parte dos planos de recuperação que são submetidos aos credores. “Os credores costumam ser receptivos a propostas dessa natureza”, afirma o advogado.

A percepção na Alvarez & Marsal, que atua tanto com reestruturações quanto no mercado de fusão e aquisição, é de que há interesse em ativos estressados, mas na prática a insegurança jurídica acaba tornando difícil que os negócios sejam fechados. “Há muitas oportunidades, mas a execução disso é complicada”, afirma o líder do grupo de suporte a transações na América Latina pela Alvarez & Marsal, Fabio Pires. O especialista afirma que essas empresas estressadas com unidades fora do Brasil estão conseguindo se desfazer desses ativos, feito que não conseguem repetir com os localizados no Brasil, uma vez que, na avaliação de Pires, falta blindagem para os compradores desses ativos, o que acaba afastando os interessados.

Apesar disso, Pires lembra que o pipeline dos bancos de investimento – e até mesmo das butiques de investimento – estão recheados de boas opções e que, mais recentemente, as negociações começaram a ser retomadas, passado o pior do estresse político.

A favor dos negócios começarem a ser firmados no segundo semestre pesa ainda o sentimento de maior visibilidade de médio prazo, acredita o sócio do escritório Motta, Fernandes Rocha Advogados, André Cantidiano. “No início do ano tivemos ainda um descontrole do câmbio, que também é uma variável importante. Agora, a expectativa é de melhora, com aumento do número dos negócios”, afirma o advogado.

Na butique de fusões e aquisições Saint Paul Advisors, a percepção é a mesma, de um segundo semestre mais aquecido. “O cenário político está menos incerto, estimulando a economia e motivando os compradores. Os vendedores começam a ver a luz no fim do túnel, e algumas empresas de alguns setores começam a melhorar sua performance financeira”, afirma o sócio José Securato.

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