O Departamento de Clássicos da Universidade de Harvard não se assemelha a um clube noturno subterrâneo de Manhattan. Mas, na quinta-feira, 13, o Professor Richard F. Thomas deixou a euforia tomar o lugar da disciplina na sala de aula. Thomas é um classicista nascido na Nova Zelândia e responsável por um dos primeiros cursos universitários sobre a obra de Bob Dylan. Ele tem, nesse semestre, 12 alunos, o máximo permitido para o curso cujo título é simplesmente Bob Dylan.
“Dylan é nove anos mais velho do que eu, de modo que ele já me pegou no começo da adolescência,” lembra o acadêmico, conversando com o Estado de Cambridge, Massachusetts, pouco antes de ir comemorar o Nobel com seus alunos. Thomas chegou aos Estados Unidos para fazer um PhD em 1974 e se lembra do momento em que entrou numa loja de discos e segurou o LP Blood on the Tracks nas mãos pela primeira vez.
O curso de Harvard foi criado quando Thomas começou a ouvir, nas letras de Dylan, a partir de 2000, camadas intertextualidade e a admiração de décadas pela poesia se tornou interesse acadêmico. Ele aponta para “Love and Theft”, lançado no dia 11 de setembro de 2001. É o único álbum de Dylan com o título entre aspas, explica Thomas, porque é uma citação direta de um livro homônimo sobre a tradição de black face (artistas brancos com a cara pintada de preto) no entretenimento no século 19.
“Love and Theft”
Em Nova York, o poeta, acadêmico e crítico literário Robert Polito encontrou muito o que garimpar em “Love and Theft”. Polito está num ano sabático da New School for Social Research para terminar um livro sobre a obra de Dylan a partir dos anos 1990.
Mas ele não acredita que o milênio trouxe um Dylan mais conscientemente literário do que o período dos 1960 e 70, em que sua popularidade era simplificada com rótulos de canção folk ou canção de protesto. “O que pode ser mais ambicioso literariamente do que Like a Rolling Stone?,” pergunta o autor. Polito inclui Dylan, na sua opinião, “o mais importante artista dos Estados Unidos no nosso tempo”, em cursos sobre poesia contemporânea na New School. Ele não vê como analisar a obra de Dylan com as ferramentas da crítica musical ou análise de poesia. “Ele inventou o emprego que tem,” diz. “A maneira como Dylan trouxe linguagens de poesia, ficção e artes para estilos como country e blues ajuda a explicar porque recebeu o Nobel.”
Autobiografia
Richard F. Thomas acredita que Dylan já seria merecedor do Nobel de literatura se nunca tivesse escrito poesia, apenas pela prosa do primeiro volume do autobiográfico Crônicas. Lembra uma famosa frase de T.S. Eliot, um poeta que coloca em igualdade com Dylan: “Poetas imaturos imitam, poetas maduros roubam”, ao se referir à letra de Lonesome Day Blues, quando se surpreendeu ouvindo a Eneida, de Virgílio em versos sobre a guerra. “Aí, percebi que não era minha imaginação, havia mais referências, a Huckleberry Finn, de Mark Twain, citações de ficção japonesa.”
As acusações de plágio acompanharam Dylan por décadas e, para que elas fossem justificadas, diz Robert Polito, seria preciso fingir que o Modernismo nunca aconteceu, seria preciso jogar fora James Joyce, Ezra Pound, T.S Eliot. Ele ataca os que viram plágio em Modern Times (2006) na citação de um poeta obscuro do século 19, Henry Timrod, e no verso que saiu de um poema do poeta romano Ovídio.
Dylan, alega Polito, sempre leu muito, ouviu muita música e foi muito ao cinema. Explorou o que veio antes e reapresentou o que assimilou, na tradição de artistas como Joyce e Pound. “Você não precisa saber quais referências literárias ele contrabandeou nas canções porque ele inventou como fazer isto sem demonstrar esforço,” conclui. Em Harvard, Richard F. Thomas destaca ainda a atemporalidade da poesia. “Quando ele trata de guerra, como em Love and Theft, é possível voltar ao Vietnã ou à invasão do Iraque ou outro conflito e isso é a característica de um clássico.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.