O governo brasileiro fez movimentos de bastidores na quarta-feira, 29, para desfazer dentro do governo dos Estados Unidos uma possível má impressão sobre a situação da pandemia de coronavírus no Brasil. Um dia depois de o presidente americano, Donald Trump, falar sobre o "surto" do vírus no País, a Embaixada do Brasil em Washington enviou uma carta ao governo da Flórida e fez contatos com a Casa Branca e com o Conselho de Segurança Nacional.
O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, e o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, também conversaram pelo telefone. Antes da ligação, Pompeo falou em conversa com jornalistas que os EUA querem restaurar o fluxo de viagens comerciais entre os dois países quando possível, como uma forma de recuperar as economias. "Estamos trabalhando em conjunto com nossos colegas no Brasil para definir as condições para que possamos não apenas fazer a aeronave voar novamente, mas fazê-lo de maneira que restaure a confiança, para que as pessoas viajem, desfrutem de lugares bonitos no Brasil, e os brasileiros desfrutem de lugares bonitos nos EUA, e de negócios e comércio", disse Pompeo.
A fala do secretário esfria a temperatura um dia após Trump ter perguntado ao governador da Flórida, Ron DeSantis, se ele desejava "cortar" os voos vindos do Brasil para ajudar a conter o coronavírus. "Não necessariamente", disse o governador. "Se você precisar, nos deixe saber", disse Trump ao governador, sugerindo que pode interromper voos vindos da América Latina se for o caso. Atualmente, os EUA, e não o Brasil, são epicentro mundial da pandemia, com 1 milhão de casos e 60 mil mortes.
Segundo o governo americano, há apenas nove voos semanais operando entre Brasil e EUA, com três rotas aéreas. Duas delas tem a Flórida como destino e a terceira, o Texas. Os americanos disseram ao governo brasileiro que não há, no momento, uma medida concreta para restringir os voos do Brasil que esteja sendo avaliada internamente. Mas as possíveis restrições são reavaliadas diariamente.
O encarregado de negócios do Brasil em Washington, embaixador Nestor Forster, enviou uma carta ao governador da Flórida na qual se colocou à disposição para prestar informações e esclarecer dúvidas sobre políticas de saúde implementadas no Brasil. A ideia é tentar garantir que uma eventual medida de restrição seja feita de maneira coordenada com o Brasil.
Ao governador da Flórida, a Embaixada do Brasil nos EUA também passou informações sobre a importância das rotas áreas que ainda estão em operação para transporte de cargas e repatriação de brasileiros que estão no exterior. Os voos, diz a embaixada, têm voltado do Brasil aos EUA com poucos passageiros. Também foram incluídas na mensagem as medidas já tomadas no Brasil para conter a pandemia.
O governo Trump tem evitado criticar políticas adotadas pelo governo Bolsonaro, de quem o governo americano se declara um aliado. Fontes do governo americano afirmam que é preciso ler a mensagem de Trump como um sinal de apoio à Flórida – Estado importante nas eleições presidenciais – e não de ameaça ao Brasil.
"Parece-me um composto da própria personalidade de Trump, de dizer as coisas de forma irrefletida, associado a um populismo de que em está de olho na eleição e um componente ainda de que alguém deve ter dito algo de orelha sobre a situação do Brasil", afirmou Hussein Kalout, cientista político e pesquisador da Universidade Harvard. "Agora, isso mostra que o governo Bolsonaro não é uma prioridade estratégica. Se o Brasil fosse de fato um país que fosse parte da primeira página das prioridades americanas, Trump não teria dito isso. A dimensão do olhar dele para o Brasil não opera na mesma frequência que o Brasil olha para o norte do hemisfério norte", afirmou Kalout.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>