Aos 77 anos, a atriz e cantora Zezé Motta continua sendo uma das artistas mais ativas, com trabalhos recentes, como o filme Doutor Gama, previsto para estrear no início de agosto. Seja com personagens fortes, ou soltando a voz em canções de nomes como Caetano Veloso ou Luiz Melodia, o certo é que Zezé é uma artista inquieta, que faz questão de colocar sua opinião em temas os mais importantes, não se dobrando aos comentários agressivos nas redes sociais. Por isso mesmo, a artista realiza neste domingo, 25, o especial Zezé Motta – Mulher Negra, que será transmitido, a partir das 17h, no canal L!ke e no YouTube do Teatro Bradesco, com direção de Yasmin Thayná. O evento marca também o Dia da Mulher Negra, que celebra a líder quilombola Tereza de Benguela. Além de música, sob o comando da maestrina Claudia Elizeu, o show terá depoimentos de nomes como Cris Vianna, Indira Nascimento, Cacau Protásio, Iza, Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro. Para falar sobre a data, entre outros temas, Zezé respondeu a algumas perguntas do <b>Estadão</b>.
<b>Como será esse evento deste domingo? Que tipo de programação o público vai conferir?
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É um especial em que levantaremos questões ligadas à mulher negra. Não será mais um programa para falar de racismo, nem que negras ganham menos que homens negros, que são mais mal remuneradas que mulheres brancas. Nós não temos mais tempo para lamúrias, estamos arregaçando as mangas e virando o jogo. Vamos exaltar mulheres pretas, líderes, vamos celebrar Tereza de Benguela. O público poderá conferir mulheres arrojadas, que em suas áreas de atuação fazem a diferença. Eu vou cantar músicas que falam da força feminina, vou cantar Tigresa, por exemplo, do Caetano Veloso. Este ano a participação especial será da Malía. A Malía é nascida na Cidade de Deus, tem 21 anos e começou a carreira em um coletivo no bairro de Madureira, como a forte voz feminina na afirmação da música urbana, no R&B e hip-hop. Já foi uma das grandes atrações do Rock in Rio e teve algumas de suas músicas incluídas nas trilhas sonoras de novelas da Globo. Seu álbum já atingiu milhões de streams no Spotify. Ela é uma potência maravilhosa. Tem também a Luana Xavier, neta da Chica Xavier, uma das minhas referências quando estava começando. A Luana vai ser uma das apresentadoras. E divide a apresentação com ela a Rafaela Pinah, mulher trans negra, pesquisadora de tendências, colunista e diretora criativa do Coolhunter Favela.
<b>O artista tem de se posicionar, ter um lado, em momentos como o que vivemos?
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Sempre me questiono de que adianta ter sucesso, ter voz na mídia e não usar isso a favor daqueles que não têm voz, das causas que a mídia não divulga, como por exemplo a anemia falciforme, que tem a prevalência na população negra. Artista tem de se posicionar sim, existe o show biz, entendo, mas se o artista viver apenas para o show biz, na corda bamba, sem se posicionar, ele deixa de usar aquilo de mais potente que ele possui: a voz! Desde que comecei a ter espaço na mídia, desde o final dos anos 1970, sempre usei minha voz para lutar, cobrar e denunciar. Tenho isso como missão, mesmo.
<b>O que é e o que representa o Dia da Mulher Negra?
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Representa as nossas lutas, conquistas, representa muita coisa… Representa principalmente o alerta de uma dívida que o Brasil possui com a sua população negra e, essencialmente, o reconhecimento para as mulheres negras. Se olharmos para a história, lá atrás, vemos que a mulher negra foi peça fundamental para que muita coisa estivesse aqui hoje.
<b>Quem foi Tereza de Benguela e qual sua importância para a história e para o Brasil?
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Tereza de Benguela, ou "Rainha Tereza" como ficou conhecida em sua época, viveu no século 18 no Vale do Guaporé, em Mato Grosso. Ela liderou o Quilombo de Quariterê, após a morte de seu companheiro, José Piolho, morto por soldados. Segundo os registros históricos, ela comandou uma comunidade de três mil pessoas. As mulheres, ao longo da história, foram construindo formas de resistência e de enfrentamento do patriarcado, e as lutas feministas nos dias de hoje foram forjadas a partir do legado de mulheres como Tereza de Benguela.
<b>As redes sociais, a internet como um todo, são mais positivas ou negativas para a questão do racismo e preconceitos?
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Sem sombra de dúvida positivas. Antigamente era tudo muito velado, não é mesmo? Com a força do digital, a coisa se tornou escancarada. E, com tudo isso, fica mais fácil de a gente trazer à tona, de denunciar e mostrar que o racismo existe sim! Está aí. Dia após dia. Temos muita luta pela frente.
<b>O que é necessário neste momento para que haja um arrefecimento dos ânimos? Acredita que isso possa ocorrer?
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O ser humano, o mundo, vive um momento delicado. Está uma falta de empatia, de amor, de tudo. Isso não é só por causa da pandemia. Isso vem acontecendo de muitos anos para cá. Cada notícia de agressão, morte, tantas fatalidades me deixam sempre chocada e me levam a uma frase que não me recordo de quem é e diz exatamente assim: "O ser humano não deu certo". Eu acredito, sim, que esse arrefecimento dos ânimos possa vir a acontecer. Mas para isso ocorrer, eu acredito que deva começar lá de cima, lá na política, por exemplo. Um país que vê o seu presidente da República desrespeitando pessoas, jornalistas, insultando trabalhadores, é um país onde as pessoas vão se desrespeitar também. O povo é assim. Guerra acaba gerando guerra. A agressividade está muito ligada ao momento e ao lugar em que você vive.
<b>Você é uma pessoa atuante, sempre entendeu a importância de ser ativista em determinados temas?
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Eu sou ativista e pronto. Costumo dizer que a minha questão não é apenas com o racismo, e sim contra todo e qualquer tipo de discriminação. Luto também pela causa LGBTQIA+, pelas empregadas domésticas, enfim, como eu já disse, vejo isso como missão mesmo.
<b>Como vê a atual gestão da Fundação Palmares? É algo que a preocupa?
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Eu nunca imaginei que, depois da ditadura, passaríamos por este momento. Outro dia, acordei com a imprensa me ligando para saber o que penso sobre ser excluída pela Fundação Palmares da lista das personalidades negras que marcaram o Brasil. É tanta loucura isso… Uma entidade da qual eu participei do lançamento, são 54 anos meus dedicados em prol da cultura negra neste país… É lastimável, mas graças a Deus sei que isso tudo vai passar e as nossas memórias não serão apagadas.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>