O presidente Jair Bolsonaro afirmou anteontem que pretende liberar o funcionamento do comércio, fechado na maior parte do País por causa do coronavírus, com uma "canetada". Não foi a primeira vez que o presidente usa a expressão para se gabar do poder de sua caneta. Na avaliação de especialistas, porém, a esmagadora maioria dos atos do chefe do Executivo – como a edição de decretos e medidas provisórias – está sujeita a controles.
A contenção de medidas adotadas pelo Palácio do Planalto faz parte do sistema de "freios e contrapesos", que serve para impor limites e impedir abusos cometidos pelos Poderes.
Segundo o professor de direito penal Davi Tangerino, da FGV São Paulo, um decreto de Bolsonaro liberando as atividades do comércio teria poucos efeitos práticos. "O impacto na prática ia ser baixo, porque quase todos os Estados e municípios já criaram decretos. Hoje é mais bravata e jogar para o grupo de apoiadores fanáticos, do que uma possibilidade de alteração jurídica importante", disse.
Tangerino também observa que uma medida nesse sentido poderia ser revertida pelo STF ou pelo Congresso, que pode anular decretos presidenciais. "99,9% dos poderes do presidente são controláveis ou pelo Congresso ou pelo STF, se desobedecer a lei", disse Tangerino. "O poder do presidente não é um poder absoluto", complementou o professor da FGV Roberto Dias.
Apesar de dizer que pode definir com "uma canetada" o fim do isolamento social, Bolsonaro ainda quer fazer uma última tentativa de articular a medida com o Congresso e o STF. O esforço, segundo integrantes do governo, é para evitar que ele seja enquadrado em crime de responsabilidade. Nos bastidores, o presidente tem repetido que há em curso um plano para iniciar um processo de impeachment e diz que precisa se cercar de cuidados para não dar pretexto aos adversários.